Liberdade de imprensa, um bem indiscutível em extinção

A obstrução do trabalho de uma equipe de jornalismo pela polícia da Saxônia é um escândalo, mas infelizmente algo cada vez mais corriqueiro na Alemanha. É hora de uma reação da sociedade, opina o jornalista Jens Thurau.

 

Jornalistas protegem salafistas, diz bandeira de ativista do Pegida em Dresden“Jornalistas protegem salafistas”, diz bandeira de ativista do Pegida em Dresden

Na Alemanha, virou quase rotina difamar os cidadãos da Saxônia como povo atrasado e com tendências de direita. Um clichê tolo, não há dúvida. Mas eles também não contribuem para provar o contrário.

Durante uma visita recente da chanceler federal Angela Merkel à capital do estado, Dresden, uma equipe de filmagem da TV de direito público ZDF estava simplesmente fazendo o seu trabalho, registrando uma manifestação do movimento ultradireitista Pegida (sigla em alemão para “Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente”) contra a chefe de governo alemã.

E aí partiram do meio da massa insultos contra os repórteres (“Imprensa da mentira!”), sem que os policiais logo ao lado sequer se incomodassem. Mas aí eles entraram em ação – contra os profissionais de imprensa. Um ativista especialmente barulhento instou os agentes da lei e investirem contra os funcionários da ZDF. E foi o que aconteceu: eles não tinham nada melhor a fazer do que controlar várias vezes seus documentos de identidade – durante nada menos que 45 minutos.

Mais tarde, o governador da Saxônia, Michael Kretschmer – membro da União Democrata Cristã (CDU), assim como Merkel –, se apressou em declarar que nessa brincadeira só os policiais se comportaram com seriedade.

Uma semana inteira após a gritante obstrução da liberdade de imprensa, o governo saxão comunicou sumariamente que o manifestante arruaceiro se tratava – atenção – de um funcionário do Departamento Estadual de Investigações. Espantoso, mas, por outro lado, também nada surpreendente.

A rigor, não é mais notícia o fato de que na Saxônia – e seguramente também em outras partes da Alemanha – aspectos democráticos indiscutíveis estão perigosamente abalados. O pior é a ausência de qualquer tentativa de justificativa oficial: jornalistas são inimigos, não guardiães de um direito fundamental – é o que acha o Pegida e, ao que tudo indica, também o governador Kretschmer.

Ao dizer que só a polícia agiu de forma “séria”, ele está insinuando, justamente, que a equipe da TV ZDF não seja séria. No material filmado pelos colegas, aliás, vê-se como os jornalistas são abertamente ameaçados por outros participantes da passeata. Nenhuma palavra do governo estadual a respeito.

É claro que Kretschmer e seus colegas são movidos por puro medo. Nas eleições gerais de 2017, a populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) já se mostrou mais forte na Saxônia do que o eterno partido governista CDU. Em 2019 se elege o parlamento estadual saxão, e será extremamente difícil formar um governo contra a AfD. Ideologias ultradireitistas, xenófobas e antidemocráticas são amplamente difundidas, em todas as camadas da população. E, como se vê, também nos órgãos públicos.

Também na política federal alemã o apoio aos jornalistas é exíguo. A ministra da Justiça, a social-democrata Katarina Barley, classificou como “preocupante” o ocorrido em Dresden. E a polícia da Saxônia pretende encontrar-se com um encarregado da ZDF a fim de esclarecer a situação. Está muito bem, mas para nós, jornalistas, isso de pouco vale, se incidentes como o de Dresden se tornarem cada vez mais frequentes.

A cobertura jornalística livre e sem obstáculos é uma característica inalienável da democracia: esse fato indiscutível foi simplesmente esquecido por muitos – pelos cidadãos irados que gritam insultos, com toda certeza, mas também por muitos responsáveis nos órgãos públicos, nos ministérios, na polícia.

E por enquanto a situação é essa, até que a massa silenciosa da Alemanha – a qual, espera-se com todo otimismo, dá grande valor à liberdade de imprensa – enfim se manifeste em alto e bom som, fazendo calar os insultos dos barulhentos. Ou Merkel poderia fazê-lo. Mas isso (infelizmente) não é de se esperar.

fonte:DW

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