As minhas Copas: 1958

      Garrincha levou seu marcador, Kuznetzov, à loucura. Os soviéticos praticavam um futebol chamado “científico” e nunca tinham visto aquilo.

A Copa do Mundo de 1958 foi a Copa do Mundo de Pelé, Garrincha e João Carvalhaes. Este era o psicólogo indicado pela CBD para trabalhar com os jogadores porque, segundo a expressão de Nélson Rodrigues, o brasileiro tinha “complexo de vira-lata”.

Como escrevi em minha crônica sobre a Copa de 1950 (vejam no arquivo do D. R.), tudo começou porque Mário Filho – irmão de Nélson e nome oficial do estádio do Maracanã – inventou que Obdulio Varela, capitão do Uruguai, havia dado uma bofetada no lateral esquerdo Bigode, do Brasil, na partida de decisão, e nosso jogador não reagira. Como se dizia na ocasião, Bigode “botou o galho dentro”.

A versão do fato é sempre mais importante do que o fato, mesmo – ou talvez sobretudo – quando não há fato. O novo insucesso em 1954, diante dos húngaros – quando Nílton Santos foi expulso por agredir um adversário e Zezé Moreira ao fim da partida deu uma chuteirada na cara de Gustav Sebes, Vice-Ministro de Esportes dos magiares – convenceu ainda mais a CBD de que nossa Seleção ou se intimidava ou partia para reações exageradas. De uma ou de outra forma, precisava de um psicólogo.

Assim, lá se foi o professor Carvalhaes, acompanhado de outro pitoresco personagem, o dentista Mário Trigo. Ou por fundamentos de psicologia, ou por simples racismo, a CBD escalou para os dois primeiros jogos da Copa, contra a Áustria e a Inglaterra, um time em que o único negro era o meia armador Didi. Ele não podia ser barrado por um branco porque seu reserva, Moacir, também era negro.

Marcamos 3 a 0 diante da Áustria, com dois gols de Mazzola e um de Nílton Santos, e empatamos em 0 a 0 com a Inglaterra, quando Vavá, que substituíra o totalmente ineficaz Dida, chutou uma bola na trave. Àquela altura, Garrincha continuava barrado por Joel, por dois motivos. Primeiro, em um jogo de exibição contra a Fiorentina, a caminho da Suécia, Garrincha exibiu-se demais, pois driblou toda a defesa, driblou o goleiro, voltou para driblar outra vez o goleiro e só depois se dignou a marcar um dos gols em nossa vitória por 4 a 0. Segundo porque o psicólogo Carvalhais, depois de submetê-lo a um teste, concluiu que ele era débil mental.

Foi preciso que os demais jogadores se revoltassem para que Feola afinal concordasse em escalar Garrincha contra a União Soviética, junto com Pelé. Este, segundo a Comissão Técnica, estava voltando de uma contusão. Segundo outros, poderia ter voltado antes e, na verdade, estava barrado. (Djalma Santos continuaria barrado e só apareceu na final, com uma belíssima atuação diante do famoso extrema sueco “Nacka” Skoglund.)

Garrincha levou seu marcador, Kuznetzov, à loucura. Os soviéticos praticavam um futebol chamado “científico” e nunca tinham visto aquilo. Com um minuto, Garrincha deixou Kuznetzov no chão e chutou uma bola na trave. Em seguida, Pelé chutou uma bola na outra trave. Com três minutos de jogo, Vavá marcou nosso primeiro gol. O mesmo Vavá fez 2 a 0 quando faltavam 13 minutos para o fim da partida e foi até um milagre que os soviéticos tivessem conseguido segurar aquele magro marcador durante tanto tempo, pois nosso domínio era total.

Passamos depois pelo País de Gales (gol de Pelé) e França (5 a 2, com três gols de Pelé, um de Didi e um de Vavá), antes da final contra a Suécia.

O público brasileiro, eu incluído, acompanhou o jogo com a Suécia diante de televisões que mostravam fotos dos jogadores, enquanto ouvíamos a narração pelas radios. O video-tape ainda não tinha sido inventado, muito menos as transmissões ao vivo e em cores.

No fim, a vitória do Brasil por 5 a 2, com dois gols de Vavá, um de Pelé e um de Zagallo. Até Zagallo – que, no dizer de Manga, não chutava a gol, atrasava para o goleiro – deixou o seu.

O professor Carvalho e seus psicotestes caíram no ostracismo. Garrincha e Pelé seguiram em frente.

fonte:dr

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