As mulheres nunca descansam. Estão sempre em guerra. Elas erguem uma bandeira e, quando pensam que já podem abaixar o braço, são obrigadas a levantar o outro, ato de todos os dias, sem sossego. Na semana passada, mais uma vez, arregaçaram as mangas, quando entrou na ordem do dia o debate sobre o direito ao aborto até a 12ª semana de gestação. A mulher vive em estado permanente de luta para recobrar o domínio sobre si mesma, sobre o seu corpo.

Tudo começou quando a então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, votou a favor da descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas. O mundo dos machões veio abaixo. A ministra estava sendo apenas sensata: alegou que a criminalização da prática não trazia resultados positivos para a sociedade brasileira. E que a falta de conhecimento, agravada pela ilegalidade, fazia com que as mulheres mais pobres fossem as mais prejudicadas.

Por essas e outras as mulheres lutam, para exigir direitos, para se fazerem entender, para ocupar espaços. As reações, partam de onde for, têm raízes no machismo. Há homens que entram em crise de masculinidade se as mulheres cobram igualdade de gênero. Homem pode transar à vontade, mas a mulher, quando atende ao desejo, leva a culpa, o medo e a responsabilidade para a cama. Engravidou? Se vire.

Os machões são um espelho que informa às mulheres a imagem idealizada pelo desejo deles. A mulher é mediada pelo prazer do homem. Muitos querem continuar sujeitando as mulheres a uma situação de inferioridade. Desmerecem e combatem as conquistas femininas. A luta das mulheres, que parece vã porque é constante, é contra a ideologia patriarcal que existe, sei lá, há milênios. É tão antiga quanto a história da civilização humana.

Hoje em dia, os machões entram em crise até quando olham para as ruas e veem as mulheres com novos comportamentos, novas vestimentas, novas atitudes. Homens conservadores estão se sentindo fragilizados. Não sabem o que fazer porque, pelo andar da carruagem, um dia perderão a identidade dominadora.

Uma freira pernambucana, de quem não lembro o nome, deu entrevista para as páginas amarelas da Veja, nos anos 1990. Disse que um homem quando nega a paternidade e rejeita a mulher grávida, está abortando o filho. Foi um Deus-nos-acuda. Acusar o homem não pode.

Nos debates da semana passada, ouvi um questionamento inteligente do jornalista e político recifense Ivan Moraes: por que as mesmas pessoas que condenam o aborto não condenam também os bancos de embriões, que muitas vezes descartam no lixo os fetos congelados? Esse tipo de debate não interessa aos laboratórios. Nem às religiões. Acusar o sistema também não pode. O machismo é estrutural.

Não é à toa que as teorias sobre aborto foram criadas para demonizar a mulher. De uma forma elegante, a ex-ministra Rosa Weber expôs a responsabilidade do Estado e também justificou o voto pelo prisma da igualdade de direitos para homens e mulheres. Ela não é mais ministra do STF. Aposentou-se compulsoriamente após o voto porque completa 75 anos hoje. Mas o tema do aborto continuará na ordem do dia.

As polêmicas serão nutridas enquanto os machões de plantão não reconhecerem o seu lugar, não compartilharem os seus direitos, não ouvirem as mulheres e não forem sensíveis a elas. Para continuar falando de STF, o atual presidente, ministro Roberto Barroso, disse que “a defesa dos direitos da igualdade da mulher”, e de outras categorias, “não é uma causa progressista”. E acrescentou: “São causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas”. Fecho com ele.

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Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife. Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de Letras.