Ditadores marqueteiros como Putin usam orgulho nacional para se manter no poder

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Charge do J.Bosco (O Liberal)

Marcus André Melo
Folha

Daniel Treisman caracterizou a Rússia como uma Autocracia Informacional em “The new autocracy: information, and policy in Putin’s Russia” (2018). O controle da informação e a manipulação da opinião pública através de fake news cumprem naquele país o papel da repressão brutal em autocracias tradicionais. Na Rússia, é “melhor mentir que matar”, afirma, em seu novo livro Spin Dictators (“Ditadores Marqueteiros”, em tradução livre), coautorado com Sergei Guriev.

Para Treisman, a invasão da Ucrânia é parte integral da forte reação ao colapso do processo vertiginoso de modernização a que o país assistiu, entre 1999 e 2010, e que coincidiu com o boom de commodities.

CRESCIMENTO ESPANTOSO – Entre 1999 e 2011, o PIB per capita quase dobrou: foi de U$ 13 mil para U$ 24 mil. A taxa de crescimento anual do valor real de salários e aposentadorias cresceu a extraordinários 11%. Tudo isso após dois governos de Putin, que se torna muito popular.

Esta mudança, argumenta Treisman, afetou também valores e normas. A percentagem de pessoas que preferiam um sistema político democrático passou de 45% para 64%, entre 1995 e 2006, alcançando mais de 2/3 da população (68%) em 2011. O apoio à “democracia no estilo ocidental” subiu de 15% para 30%. E 60% da população viam positivamente os EUA e 70% a União Europeia.

Mas o boom chegou ao fim e os ganhos de bem-estar despencaram. A popularidade de Putin idem. Como resposta, o governo montou uma “máquina informacional”. A legitimidade produzida pela prosperidade foi substituída por orgulho nacional, valores tradicionais e novas ameaças externas, alimentadas pela máquina.

INSATISFAÇÃO – “A classe média na Rússia são todos que viajam. Agora não há mais classe média”. A metáfora instigante é de Adam Przeworski, para captar a insatisfação doméstica generalizada na Rússia após as sanções.

Mas não só: famílias perdem membros na guerra ou temem fazê-lo. Oligarcas sofrem perdas patrimoniais e de acesso a suas redes fora da Rússia.

Privação econômica generalizada combinada com conflitos no interior da elite que controla o poder, argumenta Treisman, são preditores importantes de processos de mudança de regime, que pode malograr ou não.

RADICALIZAÇÃO DO REGIME – O diagnóstico é otimista sobre a possibilidade de malogro do regime. E se torna mais verossímil na medida em que o conflito na Ucrânia se estende no tempo.

Ao contrário das expectativas iniciais, a invasão não foi fácil nem tampouco produziu queda de governo em Kiev. No início da invasão, Gehlbach previa — em caso de guerra difícil — o recrudescimento da censura e da propaganda; seguida de intensificação da repressão, o que estamos observando.

Sim, a atual generalização da repressão pode ter consequências não antecipadas, inclusive o próprio fim do regime.