Partido Político – Dicionário de Política – Norberto Bobbio (Parte I e II)

I. DEFINIÇÃO. — Segundo a famosa definição de Weber, o Partido político é “uma associação… que visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’ como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntamente”.
Esta definição põe em relevo o caráter associativo do partido, a natureza da sua ação essencialmente orientada à conquista do poder político dentro de uma comunidade, e a multiplicidade de estímulos e motivações que levam a uma ação política associada, concretamente à consecução de fins “objetivos” e/ou “pessoais”. Assim concebido, o partido compreende formações sociais assaz diversas, desde os grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações complexas de estilo burocrático e impessoal, cuja característica comum é a de se moverem na esfera do poder político.
Para tornar mais concreta e específica esta definição é usual sublinhar que as associações que podemos considerar propriamente como partidos surgem quando o sistema político alcançou um certo grau de autonomia estrutural, de complexidade interna e de divisão do trabalho que permitam, por um lado, um processo de tomada de decisões políticas em que participem diversas partes do sistema e, por outro, que, entre essas partes, se incluam, por princípio ou de fato, os representantes daqueles a quem as decisões políticas se referem. Daí que, na noção de partido, entrem todas as organizações da sociedade civil surgidas no momento em que se reconheça teórica ou praticamente ao povo o direito de participar na gestão do poder político. É com este fim que ele se associa, cria instrumentos de organização e atua.
Nesta acepção, os partidos aparecem, pela primeira vez, naqueles países que primeiramente adotaram formas de Governo representativo: não que os partidos nasçam automaticamente com o Governo representativo; é mais porque os processos civis e sociais que levaram a esta forma de Governo, que previa uma gestão do poder por parte dos “representantes do povo”, teriam depois conduzido a uma progressiva democratização da vida política e à integração de setores mais amplos da sociedade civil no sistema político.
Em termos gerais, pode portanto se dizer que o nascimento e o desenvolvimento dos partidos está ligado ao problema da participação, ou seja, ao progressivo aumento da demanda de participação no processo de formação das decisões políticas, por parte de classes e estratos diversos da sociedade. Tal demanda de participação se apresenta de modo mais intenso nos momentos das grandes transformações econômicas e sociais que abalam a ordem tradicional da sociedade e ameaçam modificar as relações do poder.
É em tal situação que emergem grupos mais ou menos amplos e mais ou menos organizados que se propõem agir em prol de uma ampliação da gestão do poder político a setores da sociedade que dela ficavam excluídos ou que propõem uma estruturação política e social diferente da própria sociedade. Naturalmente, o tipo de mobilização e os estratos sociais envolvidos, além da organização política de cada país, determinam em grande parte as características distintivas dos grupos políticos que assim se formam.
II. O PARTIDO DOS NOTÁVEIS. — Historicamente, a origem do partido pode remontar à primeira metade do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. É o momento da afirmação do poder da classe burguesa e, de um ponto de vista político, é o momento da difusão das instituições parlamentares ou da batalha política pela sua constituição. Na Inglaterra, o país de mais antigas tradições parlamentares, os partidos aparecem com o Reform Act de 1832, o qual, ampliando o sufrágio, permitiu que as camadas industriais e comerciais do país participassem, juntamente com a aristocracia, na gestão dos negócios públicos. Antes dessa data, não se pode falar propriamente de Partidos políticos na Inglaterra. Os dois grandes partidos da aristocracia, surgidos no século XVIII e desde então presentes no Parlamento, não tinham, fora disso, nenhuma relevância nem algum tipo de organização.
Tratava-se de simples etiquetas atrás das quais estavam os representantes de um grupo homogêneo, não dividido por conflitos de interesses ou por diferenças ideológicas substanciais, que aderiam a um ou a outro grupo, sobretudo por tradições locais ou familiares. Como afirma Weber, eles não eram mais do que séquitos de poderosas famílias aristocráticas tanto que “toda a vez que um Lord, por qualquer motivo, mudava de partido, tudo o que dele dependia passava, na mesma hora, para o partido oposto”.
Depois do Reform Act começaram a surgir, no país, algumas estruturas organizativas que tinham o escopo de ocupar-se da execução prevista pela lei para a eleição do Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato. Tratava-se de associações locais promovidas por candidatos ao Parlamento ou por grupos de pessoas notáveis que tinham lutado pelo alargamento do sufrágio ou, algumas vezes, por grupos de interesse. Estes círculos reagrupavam um número mais restrito de pessoas, funcionavam quase exclusivamente durante os períodos eleitorais e eram liderados por notáveis locais, aristocratas ou burgueses de alta sociedade, que proviam à escolha dos candidatos e ao financiamento da atividade eleitoral. Entre os círculos locais não existia nenhum laço de tipo organizativo nem em sentido horizontal nem em sentido vertical.
A sua identidade partidária assim como a sua expressão nacional se achava no Parlamento: era o grupo parlamentar do partido que tinha a função de preparar os programas eleitorais e escolher os líderes do partido. O poder do grupo parlamentar do partido, além disso, era acrescido do fato de que os deputados tinham um mandato absolutamente livre:não eram responsáveis por sua atividade política nem frente à organização que tinha contribuído para sua eleição nem frente aos eleitores, mas, como se afirmava então, eles eram responsáveis “só diante da própria consciência”.
Este tipo de partido que na literatura sociológica é chamado de “partido dos notáveis” por sua composição social ou partido do “comitê” por sua estrutura organizativa, ou de “representação individual” pelo gênero de representação que exprimia, é o que prevalece durante todo o século XIX, na maior parte dos países europeus. Existem obviamente diferenças entre um país e outro, seja porque em alguns países os partidos nascem muito mais tarde (na Alemanha, por exemplo, pode-se falar de partidos só depois da revolução de 1848 com a formação dos partidos liberais da burguesia e na Itália só depois da unificação nacional) seja porque as condições sociais e políticas que levaram à sua constituição foram parcialmente diversas das inglesas.
Todavia, pode-se afirmar, de um modo geral, que o ingresso da burguesia na vida política foi contraassinalado pelo desenvolvimento de uma organização partidária com base no comitê e que enquanto o sufrágio foi limitado e a atividade política exclusivamente atividade parlamentar da burguesia, não houve mudanças na estrutura partidária.