Regina Duarte: Quais são os desafios da atriz à frente da Secretaria da Cultura

Não faltarão abacaxis para a artista se noivado com Bolsonaro virar casamento

Cartazes des filmes brasileiro em protesto na frente da sede da Ancine, no centro do Rio Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

Por Luiza Barros – O Globo

RIO – Regina Duarte está em um “noivado” com Jair Bolsonaro, nas palavras da atriz, após uma reunião com o presidente nesta segunda-feira. Mas se ela realmente aceitar assumir a Secretaria Especial da Cultura, não faltarão desafios como substituta de Roberto Alvim. Setor com uma das relações mais conturbadas com Jair Bolsonaro, a Cultura passou o primeiro ano de governo em paralisia, entre tentativas de impor “filtros” à produção audiovisual e nomeações de diretores com pouca experiência e muitas tintas ideológicas. Listamos, abaixo, algumas das principais questões a serem resolvidas na pasta.

Como fica o Prêmio Nacional das Artes?

Anunciado por Roberto Alvim em uma live com Bolsonaro na véspera de sua queda, o Prêmio Nacional das Artes era para ser o primeiro grande projeto do secretário à frente da Cultura. Tanto que o pronunciamento oficial de Alvim, publicado após o vídeo com o presidente, foi feito justamente para detalhar as regras e categorias da premiação.

Com a saída de seu idealizador, o futuro do Prêmio Nacional das Artes segue em aberto. Por seu formato, o projeto era uma ferramenta ideal para contemplar manifestações artísticas que estivessem ideologicamente de acordo com o pensamento conservador e religioso de Alvim.

De toda forma, anunciado como uma iniciativa “gigantesca”, o prêmio estava longe de ser um incentivo suficiente para a cultura nacional: destinaria apenas R$ 20 milhões, para serem divididos entre 145 projetos de ópera, música, artes visuais (divididas nas subcategorias pintura e escultura), teatro e literatura. Para comparar: o espetáculo “A família Addams”, de 2015, custou R$ 25 milhões.

Quem assumirá a Fundação Cultural Palmares?

Após receber carta branca de Bolsonaro na Cultura, Roberto Alvim foi responsável por inúmeras indicações de nomes controversos no setor. A que causou mais reação — e acabou revertida na Justiça — foi a do jornalista Sérgio Camargo para a Fundação Cultural Palmares. Militante de direita, Camargo chegou a afirmar que no Brasil a escravidão foi “benéfica para os descendentes” de negros. O jornalista também defendeu que o movimento negro precisa ser “extinto” e criticou manifestações culturais e religiosas ligadas à população negra.

No presente momento, a indicação de Camargo encontra-se suspensa por uma decisão do juiz Emanuel Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará. O juiz atendeu a um pedido de uma ação popular que indicava a incompatibilidade do jornalista para o cargo pelos seus posicionamentos em redes sociais.

Como revelou reportagem do GLOBO sobre os últimos minutos de Alvim antes da demissão, em seu gabinete havia anotações que mostravam que o próprio ex-secretário já estudava novos nomes para o órgão: Tatiana Alvarenga, economista indicada pela ministra Damares Alves, e “Pastor MG”, recomendado pelo ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio.

Agora, resta saber se a Secretaria da Cultura optará por algum desses nomes, ou buscará outras indicações para a Fundação Palmares.

Outros indicados de Alvim serão mantidos?

Além de Camargo, também é preciso saber se o novo secretário manterá os demais nomes indicados por Roberto Alvim para cargos de destaque na Cultura. Entre eles, estão Dante Mantovani, que assumiu a Funarte no lugar de Alvim, e que ficou famoso por afirmar em vídeo publicado na internet que o rock leva às drogas, ao aborto e ao satanismo.

Também foram nomeados por Alvim: Camilo Calandreli (Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, a Sefic), Janicia Ribeiro Silva (Secretaria da Diversidade Cultural), Reynaldo Campanatti Pereira (Secretaria da Economia Criativa) e Rafael Nogueira (Biblioteca Nacional).

Mais uma incógnita é a continuidade de Letícia Dornelles à frente da Casa de Rui Barbosa, instituição cultural no Rio de Janeiro. Nomeada por Alvim, ela chegou ao posto por indicação do deputado Marco Feliciano, da bancada evangélica. Ex-roteirista de novelas, Dornelles tem sido alvo de protestos de funcionários da Casa diante de sua pouca experiência e da decisão de afastar pesquisadores experientes de cargos de chefia da instituição.

Quem assumirá as vagas de diretoria na Ancine?

Desde o começo do governo Bolsonaro, a Ancine tem sido um dos órgãos federais mais atacados pelo presidente. Primeiro, Bolsonaro aventou uma extinção ou mesmo “privatização” (embora a Ancine seja uma agência de fomento e regulação, e não uma empresa pública), e também anunciou a intenção de tranferir a sua sede do Rio de Janeiro para Brasília.

Nenhuma dessas coisas aconteceu. Mas a Ancine segue parcialmente acéfala — na última quarta-feira, a secretária-executiva da agência, Luana Maíra Rufino, foi nomeada pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar provisoriamente uma das três vagas vazias da diretoria colegiada da agência. As outras duas cadeiras seguem abertas.

Veremos episódios de censura a obras artísticas como em 2019?

Diretamente ligada à crise da Ancine, estava o desejo de Bolsonaro de impor “filtros” à produção audiovisual no país. Foi neste período que o presidente também se notabilizou por criticar o filme “Bruna Surfistinha” (2011), estrelado por Deborah Secco.

Em outro flerte com a censura, o governo cancelou um edital já aprovado, voltado para séries LGBT. O edital só foi mantido por decisão da Justiça, atendendo a uma ação civil movida pelo Ministério Público Federal. Outra ação considerada autoritária foi a decisão da Ancine de remover cartazes de filmes brasileiros de seu site e de sua sede no Rio de Janeiro, o que gerou manifestações físicas e virtuais.

Além disso, espaços ligados a estatais, como a Caixa Cultural e o Centro Cultural Banco do Brasil, abrigaram episódios de cancelamentos e adiamentos de espetáculos e eventos já aprovados em editais sem explicações claras, gerando fortes protestos.

Vale lembrar que os atos de censura foram anteriores à gestão de Alvim. Portanto, cabe ao novo secretário marcar posição sobre a necessidade de liberdade de expressão nas artes.

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