O futuro das séries

Durante um século, elas impulsionaram a tecnologia, capturaram a imaginação e alteraram a forma de consumir histórias. Mas conseguirão sobreviver à proliferação dos streamings?

Por Luís Antônio Giron

O espectador do século XX era atraído pela escuridão do cinema e, em seguida, pelo conforto caseiro dos aparelhos de televisão.

O de hoje se deixa hipnotizar pelos dispositivos móveis. O smartphone virou o símbolo da diversão do século. Eis porque os aplicativos de streaming disputam o território que deverá fazer com que a televisão repense o seu destino. Os aplicativos se proliferaram nos últimos cinco anos, a ponto de o maior deles, a Netflix, ter ultrapassado a Disney em valor de mercado. Atingiu US$ 152 bilhões em 2018, convertendo a Netflix na empresa de entretenimento mais valiosa. Foi capaz de anexar o cinema a suas operações. Produções de diretores de renome passaram a ser lançadas pela Netflix. Em 2018, o drama “Roma” estreou no streaming e venceu o Oscar. Para o próximo ano, longas-metragens como “O irlandês”, de Martin Scorsese, e “Histórias de um casamento”, de Noah Baumach, são concorrentes fortes. Para 2020, a Netflix produzirá 25 séries, e enfrentará a concorrência agressiva de serviços como a Amazon Prime Video, a Disney + e a HBO — que expandiu as operações de assinatura com o serviço de streaming HBO GO. Até a rede Globo está transferindo seu melhor conteúdo para o aplicativo Globoplay. O novo modelo que promove a confluência de mídia dá origem a novas grandes corporações. Em vez de descartar as antigas tecnologias, ele faz com que elas interajam. Esse processo tem dado origem a formas inéditas de narrar histórias e, por conseguinte, alterado a sensibilidade do espectador. O resultado mais evidente é a “binge watching” (assistência compulsiva) — a maratona para assistir a uma série de uma vez só, consumindo horas de atenção —, que surgiu nos últimos dez anos, embalado pelos ganchos e reviravoltas cada vez mais espetaculares de roteiros hiperelaborados.

Diante da reorganização da indústria da diversão, o espectador vai assistir ao lançamento crescente de centenas de séries via streaming nos próximos anos. As produções anunciadas para os próximos meses prometem ampliar o mercado de tramas dos gêneros mais variados. Os estúdios start ups fabricantes de séries acenam com mais de uma centena de produções para os próximos meses, inclusive dúzias de produções brasileiras, da ficção científica ao velho sitcom, passando por dramas que fazem pensar.

Entre todos os gêneros, o da fantasia histórica é o mais admirado. A moda começou a ser cultivada do início do século, com a trilogia “Senhor dos Anéis” (2001-2013), do diretor neozelandê Peter Jackson, inspirado no romance de J.R.R. Tolkien. Apesar de exibida no cinema, a série de aventuras prefigurou o paradigma do consumo compulsivo de narrativas. Na trilha de Tolkien, a série “Game of thrones” consolidou o gosto e favoreceu os streamings. Foi a produção mais cara e lucrativa até hoje: US$ 800 milhões de orçamento para um retorno de US$ 3,1 bilhões. Dragões, zumbis, sexo tórrido, jorros de sangue e guerras dinásticas ambientadas em tempos e continentes imaginários aguçaram o apetite do espectador pelo grotescoe o inesperado.

O êxito de “GOT” desencadeou a corrida pela série sucessora. Entre as concorrentes, a primeira a chegar ao páreo promete se alongar pela próxima década. Trata-se
da franquia “The witcher” (O bruxo). A história é adaptada dos oito volumes da série de contos e romances do polonês Andrzej Sapkowski, publicados entre 1990 e 2012 — que também deu origem a um videogame homônimo, hoje tido como clássico, de 2007. O entrecho é simples: um mundo arcaico colonizado por elfos de outra dimensão, além de anões e gnomos, recebe a visita do bruxo Geralt de Rivia, um ser geneticamente modificado capaz de matar monstros e reviver mortos. A produção da Netflix estreia nesta semana. A primeira temporada custou aos produtores “somas épicas”, uma das mais caras da área. O plano é chegar a oito temporadas, até 2028,
a exemplo de “GOT”.

Na concorrência, o dono da Amazon, Jeff Bezos, investiu US$ 1 bilhão para pôr no ar duas temporadas de “Senhor dos Anéis”, com oito episódios cada. “Lord of the Rings” estreará no final de 2020 na Amazon. Segundo Bezos, é o novo “GOT”. “Será o maior orçamento do streaming de todos os tempos”, diz, orgulhoso. A série transcorre na ilha de Numenor, 3.442 anos antes do enredo de “O Hobbit” e “Senhor dos Anéis”.

Atentos ao próprio sucesso, os criadores de “GOT” anunciam, para o final do ano ou início de 2021 na HBO, a série “House of the dragon”, em dez episódios. Ela se plasma no romance “Mulheres perigosas”, de George R. R. Martin, e conta a fábula da casa Targaryen em Westeros, ambientada 300 anos antes dos eventos da heptalogia “As crônicas de gelo e fogo” — que, por sinal, ainda está em andamento.

Não há dúvida de que as séries se tornaram veículo mais poderoso para seduzir, influenciar e distrair o público. Qualquer que seja a tecnologia a ser implantada no futuro próximo, as séries e suas tramas mirabolantes devem exercer um papel no destino do entretenimento. Afinal, elas conseguiram capturar a imaginação de sucessivas gerações de amantes de histórias.

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