A igualdade, base da democracia, requer combate a todos os privilégios

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Charge do Justino (Arquivo Google)

Manfredo de Oliveira
Blog do Boff

“Na raiz da democracia está a primazia da igualdade, o que implica combate aos privilégios” – a ideia da igualdade de direitos emergiu na modernidade como o núcleo da vida democrática. A partir dela se criou o espaço das lutas políticas em função de sua efetivação na configuração das sociedades.

Desde a redemocratização, após a dissolução da ditadura militar, nós, brasileiros, temos passado por essa experiência e tomamos consciência de que há obstáculos enormes para o estabelecimento de uma sociedade que mereça o nome de democrática.

VISÃO ARISTOCRÁTICA – Um dos obstáculos vincula-se à nossa cultura política e se pode chamar de “visão aristocrática da vida”, radicalmente contraposto à concepção democrática e ainda fortemente presente em nossa maneira de ver o social, embora no mais das vezes de forma implícita.

Uma primeira característica dessa forma de pensar é o que os sociólogos denominam a “naturalização da vida social”. Trata-se da legitimação da ordem social faticamente existente através de sua identificação com uma ordem que provém da própria constituição do ser humano.

Nessa ordem não se deve tocar porque o lugar que cada indivíduo ocupa no todo social lhe é determinado pela ordem natural das coisas, transmitida em seu nascimento.

ORDEM NATURAL – Nessa perspectiva, o rico deseja ser rico, o pobre deve desejar ser pobre, o negro e a mulher não têm porque querer mudar seu lugar no mundo. Só a ilusão, a fraqueza da vontade ou a manipulação da consciência explica o aparecimento de posturas que não se adequam a essa situação natural. Significa identificar o faticamente existente com o normativo e em alguns casos essa identificação ainda aparece justificada por referência a ideias religiosas.

Na visão aristocrática da vida, cada um se encontra num nível determinado na hierarquia dos humanos. Há uma experiência das diferenças entre os seres humanos que resiste às semelhanças biológicas e às características comuns do ser pessoal. Cada um deve se contentar com “seu lugar”.

DE USO COMUM – Para essa concepção há graus de humanidade (embora normalmente ninguém tenha coragem de assumir abertamente essa afirmação) e certamente tomaríamos um grande susto se examinássemos com honestidade e rigor nossos comportamentos e palavras porque iríamos descobrir que nos comportamos e falamos muitas vezes de acordo com esta concepção e, na realidade, nos contrapomos à tese da igualdade de direitos.

A visão democrática emerge de uma experiência radicalmente oposta: pode-se dizer que aqui a experiência básica é a de que o outro é meu semelhante, de onde decorre a tese da igualdade básica de todos os humanos e a exigência de configurar a vida de tal modo que esta igualdade básica se efetive em relações simétricas em todas as esferas da existência, resistindo a todo tipo de ordenação que impeça ou limite sua efetivação.

PRIMAZIA DA IGUALDADE –  Na raiz da democracia está a primazia da igualdade, o que implica combate aos privilégios que devem ser considerados elemento inaceitável, e a luta pela igualdade de direitos. Com esta postura, a visão aristocrática perde seu caráter natural e se revela fruto de pura convenção fundada em interesses de determinados grupos.

Como diz P. Savidan, presidente do Observatório de Desigualdades de Paris, a descoberta do caráter construído da ordem social, econômica e política traz grandes consequências não só para a configuração da vida coletiva, mas para a experiência que o ser humano faz de sua própria humanidade.

(Manfredo Araújo de Oliveira, filósofo e professor da UFC, é autor de “Etica, Direito e Democracia” (Paulus) 2010; e “Etica e Sociabilidade” (Loyola) 1993, entre outros livros).

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