Brasileiros em Portugal: acordando do ‘sonho lusitano’

Portugal é o segundo destino mais sonhado por brasileiros que gostariam de emigrar, mas não é tão onírica assim a realidade em além-mar

Brasileiros em Portugal: acordando do ‘sonho lusitano’
A brasileira é a nacionalidade mais discriminada no país, com 10% de todas as denúncias (Foto: Pixabay)
Há exatamente um ano, em setembro de 2017, entrava em vigor em Portugal uma nova lei de combate à discriminação, mais precisamente o chamado Regime Jurídico de Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação. Na prática, a nova lei deu amplos poderes ao Alto Comissariado para as Migrações, um instituto público encarregado de integrar as comunidades migrantes, para atuar na esfera civil (mas o racismo também é crime, passível de prisão, em Portugal) contra atos e práticas discriminatórias no país, desde o recebimento de denúncias até a aplicação de multas e sanções, passando, claro, pela instauração de processos, com suas devidas diligências probatórias.

As multas podem chegar a 4.210 euros, no caso de indivíduos, e até a 8.420 euros, no caso de pessoas jurídicas. Além de combater a discriminação por raça, cor de pele, nacionalidade e origem étnica, o Estado português passava também a monitorar discriminações baseadas em ascendência ou território de origem. Na época, em comunicado, o governo de Portugal ressaltava:

“Pela primeira vez, a discriminação múltipla (aquela que resulta da combinação de dois ou mais fatores de discriminação) e a discriminação por associação (que ocorre por associação de uma pessoa de um grupo não discriminado a um grupo que sofre de discriminação) são previstas em diploma legislativo”.

Pois agora, um ano depois da entrada em vigor da nova lei, Portugal acaba de registrar um recorde (ou “o maior número de sempre”, como dizem os portugueses) no número de queixas contra racismo e xenofobia no país: 207 em dez meses (de 1 de setembro de 2017, quando a lei entrou em vigor, até o fim de junho deste ano).

A brasileira é a nacionalidade mais discriminada, com 10% de todas as denúncias. A discriminação contra brasileiros, além de ocupar primeiro lugar em se tratando de nacionalidade, é a terceira mais forte no geral, atrás do preconceito contra a etnia cigana e pessoas de pele negra.

Da epifania à desilusão

Foi também no fim de junho que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal publicou o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo com dados correspondentes ao ano de 2017. O relatório apontou que o número de brasileiros vivendo em Portugal já passou de 85 mil pessoas. Trata-se de um aumento 5,1% em relação a 2016. Um aumento que reverteu uma série de recuos registrados desde 2011.

Os brasileiros são hoje a maior comunidade imigrante vivendo em território português. São também aqueles estrangeiros que mais entraram com pedidos de nacionalidade portuguesa em 2017: 10.805 de um total mais de 37 mil pedidos desse tipo. Os brasileiros também já são responsáveis por 27% de todas as compras de casas na capital Lisboa, cidade que concentra 38% das queixas de racismo e xenofobia registradas pelo Alto Comissariado para as Migrações.

Mas não é só a ingrata dianteira da nacionalidade mais discriminada a estatística que, em meio ao “boom”, têm feito muitos brasileiros acordarem sobressaltados do “sonho lusitano”. O relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras revelou também que 1.336 brasileiros foram barrados nos aeroportos portugueses em 2017, de um total de 2.142 estrangeiros impedidos de entrar no país. Foram 368 brasileiros a mais barrados em Portugal do que em 2016.

Além disso, nos últimos cinco anos 1.693 brasileiros precisaram pedir ajuda a Portugal para conseguirem voltar para o Brasil, após não dar certo a vida em além-mar. Trata-se de 86% dos pedidos de auxílio para voltar para casa apresentados por estrangeiros junto ao Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração, parceira da Organização Internacional para Migrações com o governo português.

Há poucos meses, quando uma pesquisa do Datafolha mostrou que seis em cada dez jovens brasileiros gostariam de deixar o país, com Portugal aparecendo como segundo destino dos sonhos (depois dos EUA), a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com Antônio Mendes, diretor superintendente do grupo Folha, na qual ele diz que os brasileiros, quando chegam a Portugal, “entendem a língua e as pessoas e são muito bem recebidos”, é como se “tivessem uma epifania”. Dados que não os do Datafolha, porém, mostram que para muitos brasileiros que atravessam o Atlântico a epifania pode rapidamente dar lugar a (mais uma) desilusão.

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