Gravatá enfrenta a pior crise da sua história

Por Rebeca Silva – Blogdomagno

A dona de casa Rose Alaíde da Silva, 37 anos, precisou fazer manutenção no aparelho ortodôntico, mas no posto de saúde não havia dentista. O marido dela teve uma fratura na perna e precisou drenar líquidos do ferimento, mas não tinha a válvula na emergência. Colocaram uma toalha. A vendedora de DVD’s Aurinete Antônia da Silva, 43, também foi ao hospital, mas não tinha pediatra para a filha. Na escola dela, disse, não há previsão de volta aulas porque nem todos os professores foram pagos. Na rua da moradora Irene Mendes, 58 anos, o caminhão de coleta de lixo não passa diariamente.

O cenário que beira a falência dos serviços públicos se situa em Gravatá, a 85 quilômetros do Recife. Conhecida por ser a Suíça do Agreste pernambucano, a cidade de 80 mil habitantes mergulhou em inadimplências e em uma dívida de mais de R$ 86 milhões que travaram os novos investimentos. Em um dia chuvoso de janeiro de 2016 a reportagem circulou pelas ruas do município. No Centro, a impressão foi de um local bem cuidado, embora haja falhas no ordenamento urbano. É comum ver carros e caminhões estacionados na via dificultando a passagem de outros veículos, por exemplo.

Mas a imagem é bem diferente do ano passado quando a coleta de resíduos sólidos deixou de passar em alguns lugares por um mês. “Era um “deserto”. Só havia lixo”, lembrou a moradora Maria Solange Mendes, 32 anos. A melhora nesta questão aconteceu com a intervenção municipal, decretada no dia 18 de novembro de 2015 pela Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que afastou o prefeito Bruno Martiniano (sem partido) por supostas irregularidades praticadas na máquina pública. Esta foi uma afirmação unânime entre os cinco moradores, um servidor e três políticos ouvidos pelo blog. Mas nas outras áreas, como saúde, educação, saneamento básico e segurança pouco mudou, afirmaram.

Na saúde, falta medicamentos e profissionais. Dois médicos chegaram a registrar Boletins de Ocorrência (BO) na delegacia da cidade por falta de suprimentos. “Estou com uma dor no ombro, mas não adianta ir no hospital porque não tem ortopedista e no posto não dão encaminhamento. Aqui tudo é pago, nada é de graça. Tem que fazer no privado. As clínicas sempre são lotadas”, disse Rose Alaíde. Já o transporte escolar precisa ser modificado na quantidade de veículos e nas rotas e a distribuição de merenda melhorada.

Nos bairros de periferia foram encontrados, no percurso que a reportagem fez, pontos com lixo, mas o que chama atenção é a falta de infraestrutura. Não há calçamento em muitas das vias e o esgoto corre a céu aberto em boa parte delas. A notícia boa é que existe um projeto da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) para sanear 30% do sistema de esgoto da cidade. A ordem de serviço tem previsão para ser assinada após a semana santa, em março. Já o plano diretor não é atualizado desde 2002 e há quem reclame de travamento da construção civil.

O interventor nomeado pelo governador Paulo Câmara, o ex-chefe da Casa Militar, coronel Mário Cavalcanti, afirmou que a situação é pior que uma tragédia, pois neste caso não há sequer a comoção e solidariedade das pessoas. Em coletiva de imprensa ontem para divulgação de balanço das contas públicas, ele atribuiu os problemas à falta de recursos, bem como a dependência dos repasses federais, e dificuldade de aquisição de novas verbas já que nas finanças, a Prefeitura também vai mal das pernas.

Entre os itens negativos encontrados numa auditoria interna estão processos licitatórios irregulares e superfaturados, precarização dos vínculos empregatícios, locações de imóveis desnecessárias, contas bloqueadas e controle de contas a pagar sem confiabilidade. Um novo levantamento será feito por uma empresa especializada porque foram detectadas divergências nos valores registrados no sistema de contabilidade do município e no de gestão tributária.

Nos 60 dias que está à frente da Prefeitura, Cavalcanti demonstrou otimismo e destacou ser possível melhorar a situação com ações que estão programadas, como o recadastramento dos funcionários, a implantação do plano de arrecadação do município e a regularização das inadimplências. Falou ainda em economia de R$ 485 mil somente na folha de pagamento, mas, apesar de enxugar o quadro de servidores e secretarias, a receita corrente líquida com pessoal é de 64%, o que representa uma infração à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas saber dos cortes não pareceu suficiente para o gravataense José Nazário, 57 anos, que ironizou: “O “prefeito” (interventor neste caso) e o vice poderiam abrir mão dos salários e colocar o dinheiro na saúde. Entra prefeito e sai prefeito e continua tudo igual”, desabafou.

A política

Fazer política em Gravatá, ou em qualquer outra cidade, não é tarefa fácil. Exige traquejo e não basta ser técnico. E o interventor Mário Cavalcanti tem experimentado isso. Visto por alguns como forasteiro, o coronel ex-chefe da Casa Militar repetiu por diversas vezes em entrevista com a imprensa que não foi à cidade fazer política, mas tirar o município do caos financeiro que se encontra. Nem todos os caciques da região acreditam.

Na Câmara, por exemplo, o relacionamento pode ficar estremecido a partir dos próximos dias. Embora a chegada do interventor tenha deixado o quadro entre situação e oposição embaralhado, o que se sabe é que, apesar de conversas com alguns no gabinete do prefeito, boa parte dos 15 vereadores anda insatisfeita. Principalmente com a ideia de Mário Cavalcanti ter divulgado balanço em coletiva sem sequer convidar os legisladores.

“Por que a prestação de contas não foi aqui? Nem nos chamaram. Cabe ao prefeito prestar contas à Câmara, embora ela seja quadrimestral e ele tenha feito com apenas dois meses”, reagiu o presidente da Casa, Pedro Martiniano, irmão do prefeito afastado Bruno Martiniano (sem partido), mas com quem é rompido. Segundo ele, a Casa enviou hoje, um dia após a apresentação dos resultados da auditoria que identificou uma dívida de R$ 86 milhões, um ofício à Prefeitura solicitando o levantamento.

Segundo o vereador Luiz Prequé (PSB), que afirmou faltar um gesto da Prefeitura com o legislativo, o documento pede o relatório da referente dívida, com informações sobre data e período do débito com consignados, Ipseg, INSS, sindicatos e folha de pessoal. “Também queremos que a gestão especifique o montante dos contratos com fornecedores, com a data, valores e quem são esses fornecedores. Isso porque não adianta divulgar um número se ele já vem de muitos anos”, detalhou Prequé, que é pai do vice-prefeito, Rafael Prequé, que recentemente deixou o PSB para encontrar uma legenda em que possa disputar a Prefeitura.

O débito total do município é um acumulado das gestões que vão desde a de Joaquim Neto, em 2002, até a de Bruno Martiniano, em 2015. A intervenção em Gravatá também não tem sido vista com bons olhos porque alguns políticos acreditam que ela seja um instrumento do PSB para consolidar uma candidatura no município. O deputado Waldemar Borges é nome mais cotado, conforme já dito pelo presidente estadual da legenda, Sileno Guedes.

“Waldermar tem circulado muito por aqui, junto com o interventor. Foi vistoriar obras, como a da estrada que vai a Mandacarú. O serviço está paralisado, mas o interventor disse que ia retomar”, comentou um político local e acrescentou ser estranho um interventor ir às ruas recolher lixo. “Ele não é prefeito, não foi eleito pelo povo”, retrucou a fonte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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