POEMA DO DIA

 

Este foi o último poema que Cecília Meireles escreveu antes de morrer vítima de um câncer. Ela dedicou ao seu marido, Heitor Grilo. Poema triste, mas belíssimo.

CANTAR DE VERO AMOR
A Heitor Grillo

I
Assim aos poucos vai sendo levada
a tua Amiga, a tua Amada!
E assim de longe ouvirás a cantiga
da tua Amada, da tua Amiga.
Abrem-se os olhos – e é de sombra a estrada
para chegar-se à Amiga, à Amada!

Fechem-se os olhos – e eis a estrada antiga
A que levaria à Amada, à Amiga.

Se me encontrares novamente, nada
te faça esquecer a Amiga, a Amada!

Se te encontrar, pode ser que eu consiga
ser para sempre a Amada Amiga.

II
E assim aos poucos vai sendo levada
a tua Amiga, a tua Amada!

E talvez apenas uma estrelinha siga
a tua Amada, a tua Amiga.

Para muito longe vai sendo levada,
desfigurada e transfigurada.

Sem que ela mesma já não consiga
dizer que era a tua profunda Amiga.

Sem que possa ouvir o que tua alma brade:
que era a tua Amiga e que era a tua Amada.

Ah! do que disse nada mais se diga.
Vai-se a tua Amada – vai-se a tua Amiga!
Ah! do que era tanto, não resta mais nada…
Mas houve essa Amiga! Mas houve essa amada!

[Cecília Meireles]

São Paulo, janeiro, 1964.

Como se tira do pungente, do dolorido e da feiura da morte tamanha beleza e transcendência? Neste poema Cecília Meireles tirou do extremo da doença e da dor a beleza inspiradora da poesia como forma de dizer adeus ao seu amado, mostrando pela última vez não só sua maestria como poetisa, mas sua grandiosidade enquanto Ser Humano.

Inspiração para todas as horas!

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