José Casado, O Globo
É visível a marca de trapaça da História no epílogo da liderança de Hugo Chávez. O caudilho que passou uma década e meia moldando sua imagem de comandante de uma rebelião global contra “o Império” deixa como legado uma Venezuela mais dependente do que nunca dos Estados Unidos.
Os dados oficiais sobre o comércio exterior, recém divulgados, mostram que no ano passado os venezuelanos gastaram US$ 17,6 bilhões em compras de bens e mercadorias no mercado norte-americano É um recorde histórico de importações com origem nos EUA. Representa um aumento de 43% em relação a 2011.
A iminência da convocação de novas eleições presidenciais está levando opositores radicais do chavismo a um quadro muito pior, a partir dos dados sobre o desempenho do setor petroleiro. Não vale.
Em setembro do ano passado, a Venezuela perdeu sua maior refinaria, a Amuay, em uma explosão – aparentemente acidental e causada por absoluta inépcia operacional do governo. Na emergência, o país multiplicou por cinco (para US$ 3,6 bilhões) suas aquisições de derivados de petróleo nos Estados Unidos.
Excluído o setor de petróleo, tem-se uma visão mais realista de quanto aumentou a dependência venezuelana do “Império”, apesar da retórica do líder que passou uma década e meia concluindo discursos com o slogan “Pátria e Socialismo!” As compras de produtos básicos e industriais da Venezuela no mercado dos EUA, no ano passado, atingiram o recorde de US$ 14,1 bilhões. Significou um crescimento de 20,7% em comparação com 2011.
A exumação do legado de Chávez é trabalho para cientistas sociais das próximas décadas. Mas já é evidente o contraste dos inflamados discursos com a vida real venezuelana. Tome-se sua promessa, repetida quase diariamente por 13 anos, de “consolidar o papel da Venezuela como potência energética mundial”. A nação chavista se transformou num emirado de petróleo em situação econômica parecida com a do Iraque pós-guerra.