Dona Redonda, personagem de Saramandaia, vivida por Wilza Carla, na telenovela de 1976 do grande Dias Gomes, explode diante de todos, compulsiva na sua comilança, numa cena histórica da televisão brasileira.
Estão à mesa as disputas pelo governo de São Paulo, de Pernambuco e do Rio de Janeiro. Pelos suspiros publicados na imprensa são joias da coroa dos partidos que ensaiam a parceria, o PSB e o PT.
Antes da Igreja Católica, não existiam pecados capitais, bilhetes de entrada para o inferno. Havia os nove vícios que seriam os responsáveis por turvar a sanidade pelas boas escolhas humanas. A lista editada por São Tomás de Aquino excluiu a vaidade e o medo. Mas permaneceram a gula, a preguiça, a ira, a avareza, a inveja, o orgulho e a luxúria, os sete pecados capitais.
São esses vícios – ou pecados – que tentam subjugar as pessoas e podem ser o aspecto mais forte do ego, segundo algumas teorias, e cito o Eneagrama, interpretado por Claudio Naranjo. Esses vícios podem definir personalidades que se submetem às forças inconscientes de experiências não elaboradas. E vão metendo os pés pelas mãos, ou tentando engolir tudo, como Dona Redonda.
Partidos políticos, como os indivíduos, têm vícios, ou pecados capitais. Capturam das lideranças as inclinações viciadas para orientar as suas decisões. O Centrão, por exemplo, precursor da Federação de partidos, pode ser facilmente reconhecido pela avareza, descrita como apego material, ao dinheiro e ao poder, à falta de gosto em compartilhar.
Arthur Lira, ícone do Centrão, presidente da Câmara, exerce com destemor a avareza. Centrado na obtenção e controle de poder e de dinheiro, imprime seu carimbo na maneira como se comportam os associados. A rejeição da opinião pública à avareza ou ganância é clara. O Congresso amarga apenas 10% de reconhecimento positivo. Justo a casa do povo, que, ao que tudo indica, não se reconhece nela.
No dia em que se comemora entre os cristãos o nascimento do Cristo, além da antecipação gulosa pela ceia – para aqueles que podem – fica uma reflexão sobre a gula praticada na dimensão política.
Aqui e ali começam a aparecer sinais de fissura na busca do PT, de Lula, para uma chapa com o ex-governador Geraldo Alckmin, no PSB, partido ao qual se filiaria o ex-tucano.
As negociações políticas, próprias e republicanas para que se estabeleça a convivência pacífica entre antigos adversários e recentemente potenciais parceiros na corrida eleitoral, dão sinais de que a gula é um vício embriagador. O seu veículo é também a mosca azul.
A gula turva a visão e esmorece o caráter. Como qualquer vício. Na vontade irrefreável de saborear tudo o que o mundo oferece, o guloso ou a gulosa, dominados pelo vício, tendem a permanecer na superfície das experiências, observando apenas os aspectos prazerosos delas.
A alegria com as pesquisas eleitorais pode dar uma sensação de que os outros são dispensáveis. Aí a gula é substituída pelo orgulho, ou soberba, apontado em todas as tradições espirituais como o pecado principal.
O orgulhoso tem uma imagem grandiosa de si, exaltando-se e exigindo que o outro o considere indispensável e insubstituível. É a defesa que encontra para responder às humilhações a que foi submetido.
A boa política, porém, não se faz com vícios, mas com virtudes. A generosidade e a humildade entre elas.