Como se decorresse hoje, o discurso sobre a servidão voluntária, em Étienne de La Boétie

“Ninguém pode julgar que, tendo nos criado todos iguais, a natureza tenha prescrito a alguém a servidão” – Étienne de La BoétieO texto abaixo foi escrito por Étienne de La Boétie (1500 – 1563).  Étienne morreu jovem e confiou a Montaigne o único que dele se conhece: “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, obra escrita quando o autor tinha apenas 18 anos.

A “servidão voluntária” de que fala o título é aquela que transforma os dominados em participantes da dominação, a questão fundamental que o texto procura responder é, em certa medida, bastante atual: “Como é possível que tantos homens, tantas cidades, tantas nações às vezes suportem tudo de um tirano só, que tem apenas o poderio que lhe dão?”. Para o autor, a chave da resposta está em “o poderio que lhe dão”…


Discurso Sobre a Servidão Voluntária

Étienne de La Boétie

Muita gente a mandar não me parece bem;
Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.

Assim proclamava publicamente Ulisses em Homero. [Homero, Ilíada, cap. II] Teria toda a razão se tivesse dito apenas:

Muita gente a mandar não me parece bem.

Deveria, para ser mais claro, ter explicado que o domínio de muitos nunca poderia ser boa coisa pela razão de o domínio de um só que usurpe o título de soberano ser já assaz duro e pouco razoável; em vez disso, porém, acrescentou:

Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.

Uma única desculpa terá Ulisses e é a necessidade que teve de recorrer a tais palavras para apaziguar as tropas amotinadas, adaptando (julgo) o discurso às circunstâncias mais do que à verdade.

Vistas bem as coisas, não há infelicidade maior do que estar sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o ser mau quando assim lhe aprouver.

Ter vários amos é ter outros tantos motivos para se ser extremamente desgraçado.

Não quero por enquanto levantar o discutidíssimo problema de saber se as outras formas de governar a coisa pública são melhores do que a monarquia. A minha intenção é antes interrogar-me sobre o lugar que à monarquia cabe, se algum lhe cabe, entre as mais formas de governar. Porque não é fácil admitir que o governo de um só tenha a preocupação da coisa pública.

É melhor, todavia, que esse problema seja discutido separadamente, em tratado próprio, pois é daqueles que traz consigo toda a casta de disputas políticas.

Quero para já, se possível, esclarecer tão-somente o fato de tantos homens, tantas vilas, cidades e nações suportarem às vezes um tirano que não tem outro poder de prejudicá-los enquanto eles quiserem suportá-lo; que só lhes pode fazer mal enquanto eles preferem agüentá-lo a contrariá-lo.

Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso do jugo, esmagados não por uma força muito grande, mas aparentemente dominados e encantados apenas pelo nome de um só homem cujo poder não deveria assustá-los, visto que é um só, e cujas qualidades não deveriam prezar porque os trata desumana e cruelmente.

Tal é a fraqueza humana: temos freqüentemente de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser sempre os mais fortes.

(Continua…)

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