Por Antonio Magalhães

Lampião não é fofo. É tempo perdido procurar fofura e compaixão na vida do cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião. Um trabalho em vão de acadêmicos, escritores, jornalistas e militantes que fazem de tudo para convertê-lo  num símbolo de resistência dos humildes à opressão das elites, um Robin Wood sertanejo.

“De nada valem as provas históricas de ter sido protegido até mesmo pelo governador de Sergipe, cuja a família era uma das grandes latifundiárias do Nordeste”, registra o pesquisador e historiador Frederico Pernambucano de Mello (FPM), que escreveu as mais importantes obras sobre o fenômeno social do cangaço. Ele deixa claro a parceria entre Virgulino e os poderosos chefes políticos, os chamados Coronéis, que ora escondiam ou acoitavam o o bandido das perseguições policiais, ora dividiam o resultados dos roubos dos cangaceiros.

Os grupos que procuram um Lampião fofo não querem ver é que o ídolo é fake. O cangaceiro mostrou na sua trajetória ter sido na primeira metade do século 20 o mais temível transgressor do sertão nordestino. Aterrorizou o semiárido da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Lampião e seus cabras são responsáveis por invasões de cidade, assassinatos, sequestros, roubos, corrupção, lavagem de dinheiro – o mesmo crime de hoje que na época tinha outro nome – tráfico de armas e de gente, fichas sujas comparáveis a muita gente de hoje.

Lampião era um cara esperto, líder nato, estrategista militar não erudito, passou conversa em muita gente. Por ter um grupo guerrilheiro em plena atividade, enlouquecendo as volantes policiais, Lampião foi contatado pelo padre Cícero do Juazeiro (CE), o Padim Ciço, para combater a Coluna Prestes de revoltosos contra o Governo Federal.

Sob o comando por Luiz Carlos Prestes, o lendário líder comunista brasileiro,  a coluna percorreu no início dos anos 1920 o interior do País arregimentando militantes e pregando a derrubada do Governo.

Em 1926, o Governo Federal concedeu a Lampião, por intercessão do Padim Ciço,  o título de Capitão Honorário das Forças Legais de Combate aos Revoltosos. Rendeu ao cangaceiro um status social e o acesso às armas mais modernas do Exército. A raposa tomando conta das galinhas. Recebeu o equipamento, postou-se no sertão da Bahia por onde passaria a marcha. E ficou à espera de verbas federais para mover seu pessoal para o combate, o Covidão da época. Como os recursos não vieram, ele não lutou. Voltou ao seu negócio principal: o cangaço. E muito bem armado.

Nove anos depois, em 1935, Luiz Carlos Prestes, na preparação para uma revolução comunista no Brasil, voltou a pensar em Lampião como a vanguarda vermelha no campo. Passou uma borracha no passado de inimigos, como se vê hoje entre petistas e Geraldo Alckmin, e convidou o cangaceiro para a aventura em plena ditadura de Getúlio Vargas.

Lampião negou a parceria. Ele lia jornais, revistas, folhetos de cordel, era um homem bem informado. “Sem o mais leve sinal de arrependimento”, de acordo com a pesquisa de FPM mostrada no livro-síntese “Apagando o Lampião – Vida e Morte do Rei do Cangaço”, da editora Global (2019).

A vida adotada por Lampião foi uma vocação, lembra FPM. Ajustado às circunstâncias se tornou rei absoluto e lhe forneceu passaporte para a imortalidade pelas vias da história, da literatura, do cinema e do folclore.

Em 28 de julho de 1938, um tiro de fuzil de um sniper acabou com a vida do cangaceiro. Mas já enfrentava aos 40 anos um inimigo mais poderoso, a tecnologia e a inovação. O armamento e a mobilidade das tropas das volantes revelava o sinal dos tempos. Morto com mais 11 cabras e sua mulher Maria Bonita, suas cabeças foram cortadas para um estudo médico que nunca aconteceu.

No seu livro “Apagando o Lampião”… Frederico Pernambucano de Mello, na verdade, ilumina a história do bandido com a verdade dos fatos. Fazê-lo mito nunca foi o objetivo do pesquisador. É isso.

*Jornalista