Câmara desafia Moraes, atrasa caso Daniel Silveira e nem pretende analisar a cassação

Charge do JCaesar | VEJA

Charge do J. Caesar (Arquivo Google)

Julia Chaib, Marcelo Rocha e Danielle Brant
Folha

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e deputados do centrão trabalham para retardar ao máximo a análise sobre o destino na Casa do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) —condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas indultado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

O argumento lançado por Lira e aliados é a necessidade de “esfriar” a crise entre os Poderes. Para isso, bastaria deixar o caso do bolsonarista em banho-maria, adiando a análise de ações que possam levar à punição do parlamentar.

VIVO OU MORTO? – Dessa forma, a tendência é que eventuais processos de cassação ou suspensão do mandato de Silveira só devem ser avaliados no segundo semestre, perto da eleição. Mas líderes próximos ao governo vão além: dizem que o assunto Daniel Silveira está morto e que talvez a Câmara nem entre na questão. O mandato de Silveira na Câmara vai até janeiro de 2023.

O STF (Supremo Tribunal Federal) condenou o parlamentar a 8 anos e 9 meses de prisão, além de impor a ele a perda do mandato e dos chamados direitos políticos, tornando-o, em tese, inelegível. No dia seguinte, Bolsonaro assinou decreto de perdão de pena a Silveira, o que, na visão do parlamentar, anula toda a decisão do STF.

Lira entrou com uma ação na corte para que se estabeleça que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar. O tema está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não fez nenhum despacho na ação, e enfrenta divisão entre ministros.

CONSELHO DE ÉTICA – Além disso, há duas recomendações aprovadas há quase um ano pelo conselho de ética da Câmara que, somadas, representariam uma suspensão de oito meses do mandato de Silveira. A decisão de pautar para votação em plenário cabe a Lira.

O presidente da Câmara tem dito a aliados que, primeiro, o assunto precisa ser resolvido pelo STF, o que deve levar tempo. Enquanto o caso não transitar em julgado na corte — isto é, quando tiver cessado a análise de todos os recursos que podem ser interpostos —, Silveira segue com o mandato.

Na análise de parlamentares, se a suspensão ou a cassação do deputado fossem levadas hoje ao plenário da Câmara, a decisão seria favorável ao parlamentar. Isso significaria reformar uma decisão do Supremo, o que tem potencial de reavivar um atrito entre Legislativo e Judiciário. E não vale comprar essa briga por causa de Silveira, avaliam parlamentares do centrão.

FUX SEM PRESSA – O presidente do STF, Luiz Fux, tem indicado a interlocutores que concorda com a ideia de que é preciso deixar o caso decantar. A decisão sobre quando ele deve ser levado à análise dos ministros, porém, depende de atos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes, relatores de ações ligadas ao deputado do PTB.

A questão da inelegibilidade corre em paralelo à discussão sobre o mandato. Lira indicou a aliados acreditar que a palavra final sobre a elegibilidade de Silveira deve ser dada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e isso será enfrentado caso ele venha a pedir o registro para ser candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro, como ele deseja atualmente.

O ideal, avaliam deputados do centrão, é só se debruçar sobre a questão do mandato de Silveira depois que a dúvida sobre a elegibilidade do parlamentar for esclarecida.

MENOS PRESSÃO – Assim, a Câmara analisaria o caso sob menos pressão e, se decidisse devolver o mandato, isso ocorreria num contexto diferente do atual.

Deputados da oposição criticam a demora de Lira em pautar as suspensões do mandato determinadas pelo conselho de ética. Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), é dever do presidente da Câmara colocar os pareceres do colegiado. “A demora de um ano para colocar em votação em plenário não é um tempo razoável”, afirmou.

Líder do PSOL na Câmara, a deputada Sâmia Bomfim (SP) também lamenta essa demora. “Enquanto isso, Silveira e Bolsonaro insistem nas ameaças, provocações e descumprimento das penas da condenação. A omissão da Câmara alimenta o autoritarismo dos bolsonaristas.”

AMPLIAR ANISTIA – Na terça-feira (3), bolsonaristas próximos de Silveira se reuniram com o presidente da Câmara. Segundo a deputada Carla Zambelli (PL-SP), Lira se comprometeu a pautar projeto para ampliar “anistia” a quem, entre 1º de janeiro de 2019 e 21 de abril de 2022, tiver “praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política” ou relacionados caso consigam o número mínimo de assinaturas para pedir urgência.

Nesta quarta-feira (4), Silveira se recusou a ser intimado pelo STF, segundo a oficial de Justiça encarregada da tarefa.

De acordo com o relato da servidora, o parlamentar afirmou que não vai mais usar a tornozeleira eletrônica determinada pelo Supremo, “pois está cumprindo o decreto do presidente da República”.