31 de março de 1964: O senador que tirou João Goulart no grito e oficializou golpe militar

Golpe: O senador Aldo de Moura entre dois militares na madrugada de 2 de abril de 1964

Os negacionistas da História dizem, hoje, que a deposição do presidente João Goulart não foi um golpe porque teria sido sacramentada pelo Congresso Nacional, depois da mobilização militar de 31 de março de 1964. Mas esse argumento não fica de pé quando se entende como Jango foi derrubado por, literalmente, um grito do então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade. Arquirrival de Goulart, o paulista de Barretos insistiu na falsa informação de que o mandatário deixara o país e declarou a vacância do cargo de chefe do Executivo, sem sequer pôr o tema em votação.

Mas como isso aconteceu? Depois que as tropas da IV Região Militar, em Juiz de Fora, avançaram sobre o Rio, desencadeando a movimentação de outras unidades do Exército pelo país, o Congresso Nacional mergulhou no caos. João Goulart, que estava no Rio, voou para Brasília no dia 1º de abril. Porém, com a capital federal sitiada por forças golpistas, o gaúcho de São Borja tomou um avião para Porto Alegre na mesma noite, com o objetivo de reunir tropas legalistas no Sul e deixando para seus aliados a tarefa de defender seu mandato no parlamento.

Segundo a Constituição de 1946, em vigência na época, havia três formas de o presidente ser afastado: renúncia, impeachment ou se o chefe do Executivo deixasse o país sem autorização do Congresso. Como Jango estava decidido a não renunciar, e como a oposição sabia que não teria votos para um impeachment, os líderes do golpe em Brasília optaram por mentir ao afirmar que o presidente saíra do Brasil.

Golpe militar: João Goulart no Automóvel Clube, em 30 de março de 1964

Na madrugada de 2 de abril de 1964, o Congresso estava em ebulição. Senadores e deputados federais haviam sido chamados às pressas para uma sessão no plenário da Câmara. Mas, dos 460 parlamentares, apenas 178 apareceram: 158 deputados e 26 senadores. Durante os trabalhos, foi lida, pelo secretário do Congresso, uma carta do então chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, comunicando que Goulart, “em virtude dos acontecimentos das últimas horas, decidiu viajar para o Rio Grande do Sul”. Presidindo a sessão, Moura Andrade insistiu nas “fake news”.

“O senhor presidente da República deixou a sede do governo, abandonou o governo! Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República”, rosnou o senador do PSD ao microfone, rasgando, ao mesmo tempo, a Constituição e o seu diploma da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sob protestos dos governistas.

Andrade era um dos principais opositores de Goulart, chamado de comunista por defender “reformas de base” para combater a desigualdade social. No dia 15 de março de 1964, o senador declarara que as relações entre Executivo e Legislativo estavam rompidas. No dia 19, discursara na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo, organizada por grupos contrários ao governo. No dia 30, após o famoso discurso de Jango no Automóvel Clube, em uma reunião de sargentos que haviam se envolvido numa revolta na Marinha, o senador divulgou um manifesto apelando às forças armadas para que restabelecessem a “ordem constitucional”.

Segundo a tese dos conspiradores, Jango estava armando um “autogolpe” para implantar o socialismo no país. Os militares, que já vinham planejando tomar o poder, haviam marcado a ofensiva sobre a República para 2 de abril. Entretanto, o general Olímpio Mourão Filho, da IV Região militar, decidiu colocar o bloco na rua antes da hora e tomou a estrada para o Rio às 5h do dia 31 de março de 1964.

31 de março de 1964: Tanques na Rua Gago Coutinho, em Laranjeiras, no Rio

Depois que o presidente do Senado fez a declaração que o Exército queria, foi dado seguimento à farsa. Moura Andrade terminou a sessão e desligou as luzes do plenário, fugindo dos governistas, escoltado por seus aliados, até o gabinete do presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli (PSD), que, segundo a linha sucessória, deveria ser nomeado o presidente. Às 3h45 da madrugada de 2 de abril de 1964, numa rápida sessão com a presença de Andrade e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ribeiro da Costa, Mazzilli foi empossado.

No mesmo dia, em Porto Alegre, Jango começou a esboçar resistência e cogitou criar uma nova sede do governo federal na capital gaúcha. Mas havia poucas tropas legalistas ainda disponíveis e, para agravar sua situação, os Estados Unidos, que apoiaram o golpe, reconheceram rapidamente Mazzilli como presidente do Brasil. Sem querer contribuir para um banho de sangue, Goulart desistiu da resistência armada e foi para a sua São Borja natal, mas, no dia 4 de abril, quando viu que havia de fato perdido o governo, optou pelo exílio no Uruguai.

A “presidência” de Mazzili não durou muito tempo. O poder de fato estava com uma junta militar autointitulada Comando Supremo da Revolução, compostao pelo general Artur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Francisco de Assis. O Ato Institucional de 9 de abril de 1964, assinado por essa junta para dar verniz de legalidade ao golpe, dizia que “a revolução vitoriosa se legitima a si mesma” e decretava a suspensão dos direitos políticos de todos os opositores ao novo regime e determinava a eleição indireta do próximo presidente.

O primeito Ato Institucional também levou à cassação de 40 deputados da oposição. Assim, com o caminho livre, no dia 9 de abril, o marechal Humberto Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional com 72 abstenções e 37 ausências. Começava, então, o primeiro governo da ditadura militar, que perduraria por 21 anos, com perseguição, tortura e execução de opositores, supressão das liberdades individuais, censura à imprensa e à produção cultural e aprofundamento da desigualdade social. Tudo isso deixou sequelas com as quais convivemos até hoje.

Golpe: Castelo Branco com Auro de Moura e Ranieri Mazzili em 15 de setembro de 1964
Fonte: O GLOBO