LIVRO, CONGRESSO, PALESTRA: ESPANHA, BRASIL, PORTUGAL.

 Mário Hélio

Há poucos dias (de 21 a 25 de março), a Fundação Joaquim Nabuco fez-se presente duplamente na Península Ibérica. Com dois lançamentos de um livro em versão digital e em papel. Com uma palestra num congresso dedicado ao tema cada vez mais atual: territórios, fronteiras e migrações.

Portugal tem fronteira somente com um país: a Espanha. Na famosa “raya”/”raia” (de 1.214 km de longitude, a mais longa entre os países da União Europeia) estão as cidades de Salamanca (Espanha) e Fundão (Portugal). Num e noutro lugar foi lançada a obra coletiva Iberotropicalismos. Uma série de artigos que nasceram das palestras de um congresso de ciências sociais integralmente dedicado a Gilberto Freyre. Celebrando os 120 anos do seu nascimento, e realizado no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca. Em 2020. Poucos dias antes de o mundo ser fechado para balanço por causa de uma pandemia de um vírus tão novo e tão velho como a vida e a morte.

No lançamento de Iberotropicalismos na Espanha estiveram presentes, além dos organizadores (dois espanhóis – Angel Espina Barrio e Pablo González Velasco – e um brasileiro – Mario Helio Gomes de Lima), alguns dos autores do livro. E mais:  estudantes, pesquisadores e professores que vêm fazendo de Salamanca um 28º. território brasileiro, pela quantidade e variedade dos que ali vivem, em sua quase totalidade por causa da universidade, que é mais de três séculos mais velha do que o Brasil. Campus de excelência internacional é o seu lema atual.

É justo que uma instituição como a Fundação Joaquim Nabuco, que é um dos orgulhos regionais do país sobretudo por causa de sua ação cultural e do seu acervo, estabeleça parcerias internacionais, como a que estabeleceu com a Universidade de Salamanca. E que já deu o seu primeiro fruto. Um volume com centenas de páginas dedicadas a interpretar um dos autores brasileiros mais complexos. Justamente aquele que fundou a Fundação e que cunhou o termo ibetropicalismo. Ele acreditava numa só hispanidade fecunda e una em sua diversidade, unindo os países da Península Ibérica ao Brasil, os das Américas de língua portuguesa e espanhola.

A Espanha que aprofunda o seu casticismo na Salamanca de Castela e Leão está a poucos quilômetros de Fundão, um concelho de Castelo Branco, localizado na chamada Beira Interior. Bendita cidade que notabiliza-se por um jornal, que é um baluarte cultural permanente: o Jornal do Fundão, e tem no poeta António Salvado o líder de uma família toda voltada para a cultura. Foi o seu filho Pedro Salvado quem liderou o XXVI Congresso de Antropologia Ibero-Americana, juntamente com o brasileiro Luiz Nilton Correia (de Santa Catarina) e o espanhol Angel Espina Barrio.

O congresso teve alto nível de participantes durante quatro dias aquele lugar que aposta na tecnologia de ponta, no cuidado com o médio ambiente, na agricultura de qualidade e no “acolhimento” dos que vêm de fora como vetores do desenvolvimento. Não por acaso é um dos lugares de Portugal que estão mais a receber refugiados da Ucrânia.

De especial interesse para o Brasil – neste ano em que celebram-se os cem anos da Semana de Arte Moderna e do geógrafo Manuel Correia de Andrade – foram as palestras dos professores portugueses José Carlos Venâncio e Rui Jacinto. Também de todo úteis aos esforços da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte em torno da renovação do Museu do Homem do Nordeste e a promoção da economia criativa são as informações da palestra do professor João Leitão. Ele, que ensina na Universidade da Beira Interior, foi um dos que realizaram o seu trabalho de pós-graduação sob a orientação do professor e pesquisador pernambucano Carlos Osório.

Por intermédio da Fundação Joaquim Nabuco o simpático slogan de décadas atrás – “Pernambuco falando para o mundo” – pode ganhar novos sentidos e impulsos. Transregionais, transfronteiriços, transoneânicos. A partir do que é mais próximo, comum e até íntimo: o indisfarçável jeito ibérico de ser. Que isto se faça por meio de acordos técnicos, científicos e culturais de mútuo interesse é a melhor maneira de mostrar o sentido prático da expressão “sociedade do conhecimento”. E de traduzir em ação clara e direta a palavra “difusão”. Ou, atualizando o dito, popular, em tempos que se multiplicam os/as Tirésias: (res)suscitar a cobra e mostrar o bastão. Saldo amplamente positivo de uma curta viagem, em mais um capítulo de um livro sempre fecundo: o de diálogos. Diálogo que deveria ser a lição de casa a cumprirem os líderes presentes e futuros. Encontrar semelhanças nas diferenças e diferenças nas semelhanças, com empatia, um caminho para a paz. Identidade rima com alteridade.