Desafio aceito. “Mulher comprometida procura homens”: foi essa a opção que escolhi ao fazer o cadastro no Ashley Madison, aplicativo de relacionamentos para mulheres casadas. No Gleeden, outro serviço do gênero, basta dizer se é hétero, homo ou bissexual — fiquei com essa última, para ter a possibilidade de conhecer homens e mulheres de uma vez (o que, aliás, não é possível no concorrente). Minha ideia, ao longo dos próximos cinco dias, é encontrar, virtualmente, pessoas dispostas a me contar histórias de relações fora do casamento e suas razões para estarem ali. Depois, conversando com especialistas, quero entender por que tais sites e apps têm crescido tanto nos últimos tempos.

Dias antes, o Gleeden, criado em 2009, revelou que o número de usuários quadruplicou no Rio em 2021. O estado abriga 1/4 dos 250 mil assinantes brasileiros (somos o país latino-americano com mais assinaturas). O app divulgou uma pesquisa com 12 mil novos usuários em que 100% apontam a pandemia como principal razão para buscarem novas experiências. Além disso, o rol de opções para casadas é grande — há outros, como Eveeda, Sasha7 e Extraconjugais. Para estimular a participação feminina, elas têm acesso gratuito, enquanto homens pagam. No Gleeden, o pacote mínimo é de R$ 59,99 para trocar 10 mensagens, e no Ashley o mais caro sai a 170 dólares e dá direito a iniciar 125 conversas.

Ainda assim, a proporção não é igualitária — 35% de mulheres e 65% de homens, por exemplo, no Gleeden: “Os homens traem mais do que as mulheres, isso é fato. Mesmo em países onde as mulheres traem muito, eles traem mais. Vivemos em sociedades machistas, então as mulheres não traem tanto porque sabem que serão julgadas”, argumenta Silvia Rubies, diretora de comunicação da plataforma para Espanha e América Latina.

E há diferenças de comportamento entre os gêneros, conta Eugenia Del Vigna, presidente para a América Latina da maior rede de apps de relacionamentos do mundo, a Match: “O homem curte perfis cinco vezes mais que a mulher. Se o limite é de 100 por dia, ele dá as 100, enquanto ela passa por vários perfis e só curte mesmo se tiver a intenção de conversar”. As mensagens delas também são mais longas, enquanto os homens preferem o velho “olá, tudo bem?”. Eugenia garante que as empresas não leem as mensagens, apenas sabem o número de palavras. Bom, para ouvir mulheres, pensei, teria trabalho dobrado. E tive, como mostro a seguir.

Dia 1: Logo pela manhã, entrei nos apps, supondo que a audiência seria mais alta na hora de expediente, porque, teoricamente, se está longe do cônjuge. Dito e feito. O número de interações ao longo do dia é maior (aliás, há casados que ficam on-line o dia inteirinho). Abordei três homens e duas mulheres, ingenuamente, na sinceridade: “Estou fazendo uma reportagem, topa conversar comigo anonimamente?” Só Ana*, vendedora de 30 anos, aceitou. Contou que o marido “não ajuda e não tem empatia”: “Fica tudo em cima de mim, afazeres domésticos, atenção com a nossa filha, e na pandemia foi bem pesado”. Casada há 5 anos, ela se vê “carente e sozinha” e quer separar, mas ainda não tem condições financeiras. Enquanto isso, tenta “conhecer pessoas legais”, sem nunca ter ido às vias de fato. “Me sinto culpada”, justifica. A animação com a primeira entrevista durou pouco. Logo depois não consegui mais entrar no Gleeden: “Esta conta está suspensa”. É claro que fui denunciada. Recomecei, decidida a não mais revelar minha real intenção. Nova conta, outro e-mail, e nasceu AliceSim, bissexual casada, 39 anos. Em poucos minutos, uma enxurrada de likes e presentes virtuais.

Dia 2: É surpreendente o fato de que não param de chegar mensagens de homens. Eu, que em época de solteira frequentei o Tinder e o Happn, nunca vi nada parecido. Meus dois perfis fictícios, Paulinha 021 e AliceSim, não tinham fotos, e eu não imaginava que um perfil sem imagens pudesse interessar tanto. É possível ter uma “galeria privativa”, com fotos que o usuário só libera para quem quiser, mas não fiz isso. Preenchi apenas tipo físico (“normal”) e interesses (“topo tudo”, “sexo casual”).

Neste único dia, no Ashley, Paulinha021 foi abordada por 17 homens. Dez deles, antes que eu respondesse, deram acesso às galerias privativas. É curioso que, embora a grande vantagem dos apps seja o fato de oferecerem sigilo, discrição e anonimato, e ainda que os nomes dos usuários sejam, na grande maioria, codinomes, o que vi foram muitas fotos de perfil em que facilmente se identifica o sujeito casado — não, não vi nenhum conhecido. Já as mulheres, pelo contrário. Conto numa mão as que vi exporem seus rostos.

Só uma das cinco que abordei me deixou ver fotos — Dani*, mulher trans casada com homem, que vi belíssima em poses sensuais, numa piscina. O casamento, ela conta, vai muito bem. Foram morar juntos na pandemia, estão apaixonados, mas Dani é uma “adúltera incorrigível” e nunca viveu relacionamentos fechados sem ter outros casos. “Ele não pode saber, mas eu preciso de emoções, não posso ficar a vida inteira transando com uma pessoa só. Mas amo meu marido demais, não tem nada a ver com ele”, disse.

Dia 3: “A grande questão é: a monogamia é superior à não monogamia?”, questiona a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, autora de “Novas formas de amar” (Planeta). Ela conjectura que o crescimento dos apps para casados reflete “o momento atual em que observamos uma mudança de mentalidade, em que crescem outras maneiras de amar, polígamos, relações livres, amor a três etc. As pessoas não querem mais se frustrar sexualmente, ficar numa relação morna”. Nos seus 48 anos de consultório, viu padrões surgirem, mudarem, caírem por terra e hoje tem certeza: o maior problema das relações monogâmicas é a falta de desejo sexual. “Variar é bom! Ninguém gosta de comer a mesma comida e usar a mesma roupa a vida toda, por que com o sexo é diferente?”. Para ela, a monogamia “não vai funcionar nunca porque é calcada no ciúme”.

A conversa com Regina no quarto me influencia: para ela, a palavra “traição” é moralista, e decido não usá-la neste texto. Mais tarde, converso com o sexólogo Amaury Mendes Jr., para quem “traição” também não é uma palavra adequada. Com 25 anos de consultório, ele acha que a mulher atual não se contenta mais com migalhas no casamento. “Elas não deixam as frustrações se acumularem”. O psicanalista já constatou, empiricamente, que são elas as que mais tentam abrir as relações. E eles, em geral, não topam. Lembrei de Regina: “Para os homens, as relações sempre foram abertas”.

Dia 4: AliceSim já está mais à vontade e troca muitas mensagens com Flávio*, um economista de 38 anos, casado há três e pai de uma filha pequena. Pergunto o que ele busca ali. A resposta é longa, contrariando o que Eugênia havia dito. “Vivo num relacionamento fechado e tenho um sentimento de culpa por estar aqui. A questão é que estou com saudades de ter alguma liberdade… de poder conversar com uma mulher sem saber no que vai dar. Sabe? Conversar com alguém que pode ser só jogar um papo fora ou uma amizade colorida”. De novo lembro de Regina: para ela, a monogamia mina as individualidades. “O amor romântico, com a ideia de que os dois são uma pessoa só, está dando sinais de sair de cena porque a busca contemporânea é pela individualidade”.

Dia 5: Minha jornada vai chegando ao fim. Sinto-me frustrada por não conseguir aprofundar conversas com mais mulheres. Qualquer pergunta sobre a intimidade as assustava. Ainda que estes sites e apps tenham sido criados para elas, é nítida a diferença de comportamento: homens mostram a cara, paqueram, convidam para sair e passam mais horas on-line. Já elas escondem os rostos, pouco respondem às mensagens e demoram para confiar no interlocutor. Afinal, concluo que, embora seja óbvio que as mulheres estão mais dispostas a pular a cerca, a insegurança e o medo ainda são grandes. Então, resolvo tomar emprestado o otimismo de Regina, para quem apps como esses devem “perder o sentido em poucas décadas”, uma vez que as relações se tornarão menos hipócritas. Se tais mudanças forem para empoderar cada vez mais as mulheres, dou match.