Como evitar uma recessão-Putin; leia o artigo de Paul Krugman

Mulher passa por mural que retrata o presidente Vladimir Putin segurando seu próprio corpo, em Sofia Foto: NIKOLAY DOYCHINOV
Por Paul Krugman, The New York Times

Isso depende de nossa resposta. Mas teremos de ser lúcidos sobre o problema

Kevin McCarthy, o republicano líder da minoria na Câmara dos Deputados dos EUA, fez uma afirmação cínica e claramente desonesta outro dia. É verdade que este comentário é do tipo perene; poderíamos ter dito o mesmo dele em praticamente qualquer semana dos anos recentes. Mas essa declaração em particular pareceu importante, porque envolve uma mentira que possui relação direta com a maneira que os Estados Unidos responderão à invasão na Ucrânia.

Isso é simplesmente falso. Você pode argumentar a respeito de quanta responsabilidade as políticas de Biden têm sobre a inflação em outras partes da economia, mas o crescente preço da gasolina reflete o crescente preço do petróleo globalmente, que não foi afetado significativamente por nada que Biden fez. E a disparada do preço do petróleo tem feito os preços na bomba aumentarem em países de todo o mundo, e aproximadamente na mesma proporção. Ou seja, esses preços são na verdade da gasolina de Putin.

Por que isso importa? À parte a grosseria da tentativa de McCarthy de culpar Biden por algo que realmente, verdadeiramente não é culpa dele, há uma importante questão econômica aqui.

Gostem ou não, o mundo está enfrentando o choque-Putin: um aumento nos preços do petróleo e de outras commodities como consequência tanto da agressão russa quanto da retaliação do Ocidente com sanções econômicas. Mas o choque-Putin levou a uma recessão (afora a própria Rússia, que provavelmente encara uma situação próxima à depressão)?

A resposta é que isso não tem de ocorrer dessa maneira; nós somos capazes de evitar uma recessão-Putin. Sermos capazes disso depende de nossas políticas em resposta. E para afinar essa resposta teremos de ser lúcidos a respeito da natureza do problema.

Não é a primeira vez que encaramos uma alta nos preços do petróleo ocasionada por eventos que se desdobram fora dos EUA. Os exemplos famosos são as altas de preços ocorridas depois da Guerra do Yom Kippur, em 1973, e da Revolução Iraniana, em 1979; mas há outros grandes exemplos, tais como a alta de preços de 2010-2011, enquanto o mundo se recuperava da crise financeira de 2008. Essa alta, a propósito, elevou os preços da gasolina muito acentuadamente; em relação aos salários-médios dos trabalhadores, atingiram um pico equivalente a mais de US$ 5 o galão hoje.

As consequências econômicas mais amplas desses choques anteriores, porém, variaram consideravelmente. Os choques do petróleo nos anos 70 foram seguidos por severas recessões nos EUA; o choque de 2010-2011 não tirou dos trilhos absolutamente a recuperação econômica que ocorria na época. Qual foi a diferença?

Lá atrás, em 1997, Ben Bernanke, Mark Gertler e Mark Watson publicaram uma análise clássica a respeito dos efeitos das altas dos preços do petróleo sobre a economia americana. Eles concluíram que as recessões que com frequência se seguiam aos choques do petróleo refletiam “a resposta endógena em política monetária”.

Em bom português (mais ou menos), eles quiseram dizer que recessões aconteceram não porque os preços do petróleo aumentaram, mas porque o FED (banco central americano), temendo uma espiral ascendente de preços, respondeu aos picos nos preços do petróleo aumentando acentuadamente as taxas de juros.

E foi exatamente isso o que não aconteceu em 2010-2011. Apesar da intensa pressão dos republicanos alertando que o dólar estava sendo depreciado, Bernanke — na época presidente do FED — e seus colegas não alteraram o curso, mantendo os juros baixos. E a recusa do FED em elevar as taxas foi justificada pelos acontecimentos: os preços da gasolina se estabilizaram, a inflação não disparou e a economia continuou a crescer.

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O que essa experiência nos ensina sobre a atual situação? Se a inflação estivesse baixa, a política correta seria óbvia: não aumentar as taxas de juro. Mas infelizmente chegamos ao choque-Putin com uma inflação incomodamente alta. E ainda que eu normalmente seja pacifista em relação a esses temas, acredito que o FED deveria tirar o pé do acelerador. Ou seja, o FED deveria deveria aumentar gradualmente as taxas de juros para esfriar uma economia que dá sinais de certo superaquecimento.

O que o FED não deveria fazer, porém, é se permitir ser intimidado a meter o pé no freio de maneira brusca, aumentando drasticamente as taxas de juro como fez nos anos 70.

Preços do petróleo em elevação ocasionarão alguns índices altos de inflação nos próximos meses, e haverá muita pressão para que o FED reaja energicamente. Parte dessa pressão virá de pessoas como McCarthy, que apesar dos fatos insiste que a alta nos preços da gasolina está sendo causada por escolhas de políticas domésticas. Parte virá dos eternos falcões, para quem estamos sempre prestes a ver uma reprise daquela novela dos anos 70.

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Mas 2022 não é 1979. A inflação atual está alta e há expectativa de inflação ao longo do próximo ano, mas as expectativas a médio prazo de inflação não aumentaram muito e não estão nem perto dos patamares em torno de 1980. Isso sugere que a inflação não está se entrincheirando na economia. Se a economia esfriar um pouco, e o choque inflacionário dos preços do petróleo forem, como considero que sejam, um evento pontual, ficaremos bem se o FED mantiver a calma e seguir em frente.

Eu posso estar errado? É claro que sim. Mas considere os custos de estar errado na direção oposta e meter o pé no freio desnecessariamente. Neste momento, parece que uma política estável é capaz de evitar que o choque-Putin se transforme numa recessão-Putin. E este é o resultado que queremos alcançar, se for possível. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO