A velha/nova prática de fake news. Por Antonio Magalhães

Por Antonio Magalhães*

“Uma das principais características do jornalismo no Brasil hoje, praticado pela maioria da grande imprensa, é a manipulação da informação. O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade. A maior parte do material que a imprensa oferece ao público só tem algum tipo de relação distante com a realidade”.

Não se trata de um escrito de governista atual, escaldado pelas pancadas recebidas na cobertura da grande mídia contra o Governo Federal e o presidente. A reflexão acima é do jornalista Perseu Abramo (1929-1996), fundador do Partido dos Trabalhadores e que deu nome à instituição de estudos do PT.

Ele foi um homem sério e com convicções firmes. Escapou de ver seu partido no Governo Federal envolvido por 14 anos em corrupção e seus dirigentes presos. Abramo é o autor de um ensaio de 88 páginas que trata dos “Padrões de Manipulação da Grande Imprensa”, um guia para o público e para os jornalistas. Atualíssimo.

A sua visão da imprensa é dos grandes veículos de comunicação em 1988, quando a Internet e as redes sociais sequer eram cogitadas como comunicação massiva. A imprensa da época realmente fazia a cabeça dos brasileiros e ele, como petista raiz, esquerdista radical, adiantava-se no tempo para sintetizar a essência do jornalismo daqueles anos, a exemplo do que acontece nos dias de hoje.

O livro, disponível no mercado de e-book e na Fundação Perseu Abramo, diz num dos trechos que “a imprensa é uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar da realidade real”.

Para Perseu Abramo, “a relação que existe entre a imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real”.

A publicação aponta uma série de padrões de manipulação jornalística e ocultação da verdade. “É o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade”.

Segundo ele, “esse é um padrão que opera nos antecedentes, nas preliminares da busca da informação. Isto é, no “momento” das decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria particular daquilo que na imprensa geralmente se chama de pauta”.

“A ocultação do real – de acordo com Abramo – está intimamente ligada àquilo que frequentemente se chama de fato jornalístico. Se o fato real foi eliminado da realidade, ele não existe. O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário. E o fato presente na produção jornalística, real ou ficcional, passa a tomar o lugar do fato real, e a compor, assim, uma realidade diferente da real, artificial, criada pela imprensa”.

Perseu Abramo teve passagens pela imprensa nos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, órgãos conservadores nos anos 60/70/80, mas deixou tudo para trás para engajar-se na imprensa militante de esquerda no jornal Movimento e no jornal do PT. Nunca misturou as bolas, como acontece hoje.

O ex-presidente Lula, treloso político brasileiro, diz em texto em homenagem ao jornalista que ele lhe tratou como um filho, que, no caso, não aprendeu nada com o mentor. E acrescenta que o PT deveria reconhecer a necessidade de ter por perto pessoas como Perseu Abramo. Outros tempos. É isso.

*Jornalista