Mario Vitor Rodrigues
O Globo
Faltando menos de um ano para as eleições, pesquisas mostram que Lula tem boas chances de se tornar o primeiro presidente eleito três vezes de forma direta. Estou entre os que consideram fundamental salvar a República de Jair Bolsonaro, mas nem essa convicção me livra de considerar deprimente a volta do PT ao poder.
Primeiro, porque Lula completará 77 anos em 27 de outubro, às vésperas do segundo turno. Caso confirme seu favoritismo, deverá terminar mais uma passagem no Palácio da Alvorada com 81.
CONSTATAR O ÓBVIO – Não se trata de duvidar do “tesão de 20 anos” a que ele tanto gosta de aludir, mas de constatar o óbvio: em pleno ano da graça de 2022, a esperança geral parece recair sobre alguém que milita na política desde 1980. E que já teve mais de uma oportunidade para liderar o país.
Meu desalento desemboca na absoluta falta de alternativas que enseja a volta do petismo ao poder.
É claro que Lula teve méritos ao não dar ponto sem nó em 2018. Tivesse optado pelo apoio a Ciro Gomes, e o PT arriscaria perder a liderança da oposição.
De todo modo, para além da asfixia imposta pelo lulopetismo à esquerda — experimentada não apenas por Ciro, mas de maneira particularmente perversa também por Marina Silva — e da polarização que dificulta a construção de nomes nacionais, há também uma incapacidade de compreensão do cenário por parte de um partido igualmente histórico: o PSDB, outrora alternativa ao petismo.
OBRAS DO ACASO – Os tucanos ainda não se deram conta de que o Brasil não é São Paulo. De que a oratória e mesmo a estética de figuras como Geraldo Alckmin ou João Doria reforçam um estereótipo impopular do paulistano. Enfim, de que as vitórias de Fernando Henrique foram obras de um acaso chamado Plano Real.
Talvez ainda mais grave que o retorno do PT em si seja ele acontecer sem que Lula, Gleisi Hoffmann e grão-mestres do petismo tenham reconhecido os crimes cometidos durante o período em que estiveram no comando do país.
Os que miravam vantagens individuais, claro, mas principalmente os que pretendiam torcer o braço da democracia para financiar a perpetuação de um projeto de poder.
REALIDADE PARALELA – Desde já é possível perceber, à luz do dia e sem um fiapo de constrangimento, a paulatina construção de uma realidade paralela em que não apenas o partido e seu líder foram vítimas de perseguição, mas em que ambos estão inocentados.
Em condições normais, bastaria apontar para as montanhas de dinheiro devolvidas aos cofres públicos, derivadas do maior esquema de corrupção em nossa História recente, e explicar que anulações de condenações não se confundem com absolvições.
Mas o compreensível sentimento antibolsonarista e as condutas impróprias do então juiz Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol inviabilizam qualquer tipo de ponderação sensata.
ENORME DESESPERO – O PT é o maior partido do país, o mais popular e o que conta com a maior militância. Seria ingenuidade supor que jamais voltaria a eleger um presidente. Que seu retorno ao poder aconteça de maneira tão precipitada, entretanto, expõe o tamanho do nosso desespero.
Minha esperança é que, ao contrário do que aconteceu há quatro anos, quando a aversão ao petismo empanou toda sorte de indícios de que o governo que se formava não tinha como terminar bem, a repulsa por Bolsonaro não nos faça abraçar a próxima administração de qualquer maneira. Sobretudo se for mais uma do PT.
As recentes declarações de Lula e petistas graúdos em defesa da revisão da reforma trabalhista em pleno ano eleitoral ou da regulamentação da imprensa, todas públicas e despreocupadas, não deixam margem para dúvida: é precisamente com esse cenário que o partido espera contar.