BUMBA-MEU-BOI - A Lente

Um das festa populares mais conhecidas é o Bumba-meu-boi

Paulo Peres

Imunes à parafernália dos símbolos natalinos europeus de neves, Papai Noel, trenós, renas e pinheiros, algumas regiões brasileiras ainda conseguem fazer um Natal adequado a nossa cultura popular, sob o verão dos trópicos. A tradição natalina dos brasileiros manifesta-se, autenticamente, nos cantos e danças inventados pela imaginação criadora do povo para acrescentar novas informações ao legado de nossos antepassados índios, negros, portugueses.

Bois de pano e couro, cangaceiros, reis, rainhas, palhaços, embaixadoras e pastoras saúdam o nascimento do Menino com fé, ingenuidade e a peculiar alegria brasileira. Uma festa bem diferente das realizadas nos grandes centros de consumo.

TROCAS CULTURAIS –Há vários folguedos no ciclo natalino, que se inicia em 24 de dezembro e se estende até 6 de janeiro, com a Festa de Reis. Cerimônias, rituais e coletivas, resultantes da trocas culturais entre os indígenas, africanos e portugueses, são encenadas em todo o país, sempre com peculiaridades locais: reisado, guerreiro, bumba-meu-boi, pastoris e folia de reis ou santos reis.

O bumba-meu-boi, por exemplo, aparece em festas natalinas nos Estados de Pernambuco, Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul. Já no Maranhão, Piauí, Pará e em alguns municípios do Rio de Janeiro, ele aparece nas festas juninas e, em outras regiões, no carnaval e em eventos próprios, como no Festival de Parintins, no Amazonas com o nome de boi-bumbá.

Nota-se que o folguedo tem diferentes denominações por onde passa: boi-bumbá, boi-de-mamão e boizinho, com diferenças em figurantes, vestimentas e episódios.

FIGURA PRINCIPAL – O boi, no centro da roda, é a atração principal. Um homem, escondido sob um arcabouço de taquara, madeira ou arame, recoberto por pano de chita ou veludo, faz a figura mover-se e dançar. A cabeça, esperta em assustar e investir contra as crianças, é de papelão, madeira ou caveira aproveitada de animal.

Os figurantes dançam ao ritmo da batucada (pandeiros, sanfonas e violas), instrumentos improvisados conforme o gosto e as condições dos participantes.

O tema consiste num boi que dois vaqueiros guardam e um deles sacrifica em momento de raiva. Outra variante, é a presença da mulher Catarina, que tem desejo de comer a língua do boi, geralmente, roubada de um rico fazendeiro, condenando-o assim a morrer. No meio da confusão são requisitadas as presenças do doutor, para salvar o animal e do padre-capelão, para benzer o moribundo.

Muitos personagens intervêm, sempre dançando. Marinheiros, soldados, cangaceiros, palhaços, cavalo-marinho (capitão), ema, caipora, alma do outro mundo. Bichos complicados e não identificados, como o jaraguá e o guariba, surgem no meio do espetáculo, fruto da criatividade da imaginação popular.

TUDO É FESTA – No decorrer da trama acontecem cenas de todos os tipos, revelando as mais variadas influências, sempre satirizando a vida local. Como tudo é festa, o boi acaba ressuscitando depois de inúmeras peripécias. Só as “damas” e os “galantes” não riem e não dão o troco às diabruras dos personagens que declamam, exclusivamente, “loas” ao Menino Jesus.

Já os reisados, com características teatrais, têm maior expressão no Nordeste, além de Minas Gerais e São Paulo. Suas origens remontam ao vasto ciclo de representações derivadas das “janeiras” e “reis” portugueses, autos comemorativos da natividade.

Seus integrantes saem às ruas cantando e dançando, ao som da sanfona, tambor e pandeiro. Suas roupas são artisticamente preparadas e muito atraentes: saiotes axadrezados, capas de cetim enfeitadas com galões dourados e prateados, guardas-peito guarnecidos de lantejoulas, contas, espelhinhos brilhantes. Na cabeça, chapéus ornamentados com espelhos redondos, flores e fitas coloridas.

ENTRAM NAS CASAS – Na “abrição da porta”, um dos rituais do folguedo, pedem para entrar nas casas e tecem louvores aos proprietários. Após as visitas, é hora do teatro, exibido ao público em praça ou local apropriado.

O enredo é um sincretismo entre os “reis” portugueses e as “congadas” de origem africana. O grupo canta, dança e declama. O espetáculo, em forma de revista, dramatiza estórias em que se misturam amor e guerra, religião e história local.

O número e as características dos personagens variam conforme a região em que é representado, sendo mais comuns o rei, a rainha, os embaixadores, os palhaços, além de figuras idealizadas como o lobisomem, o urso, o corcunda, o zabelê e o bumba-meu-boi.

OUTROS FOLGUEDOS – Em 1920, surgiu em Alagoas a Festa dos Guerreiros, como criação local e variante do reisado, embora mais ricos em trajes e episódios. Com o tempo, as representações praticamente substituíram o auto do reisado, reunindo influências também dos caboclinhos e pastoris, que introduziram novos personagens como a lira e o índio Peri. O Mestre é a figura principal do folguedo.

Sob influência portuguesa, o auto do pastoril ou pastorinhas é praticado na Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas, mas no Natal aparece em outras regiões do país. As pastoras, geralmente, em número de doze, dividem-se em dois grupos, chamados cordões, um azul e o outro vermelho encarnado, cores que ostentam nas vestes. Sobre a cabeça levam chapéus de palhinha, filó ou diademas e, nas mãos, arcos ou bastões cobertos de flores e fitas coloridas.

As duas primeiras pastoras de cada cordão recebem o nome de mestra (azul) e contramestra (vermelho). Entre os dois cordões dispostos em fila, um ao lado do outro, fica Diana, a mediadora, trajando metade vermelho e metade azul. Todas cantam e dançam.

As “jornadas” têm como tema o nascimento de Jesus Cristo e os desafios entre os dois cordões. Cada grupo procura a melhor forma de exaltar suas pastoras e prestam homenagens às flores, símbolo das cores que ostentam, a rosa e o cravo.

FOLIA DE REIS – As festas natalinas de Minas Gerais, São Paulo e em alguns municípios do Rio de Janeiro mantêm viva a tradição da folia de reis ou companhia dos santos reis. O folguedo procura reproduzir a viagem dos Reis Magos a Belém para adorar o Menino Jesus, enquanto os palhaços mascarados tentam desviá-los do caminho apontado pela Estrela do Oriente.

Além do sentido bíblico, as folias têm também a função de “pagar uma promessa” ou “alcançar uma graça”. Por isso, é necessário que elas saiam às ruas por um período mínimo de sete anos, depois dos quais os foliões estão “desobrigados” com a folia.

Os foliões partem à meia-noite do dia 24 de dezembro e encerram sua jornada no Dia de Reis, 6 de janeiro. A caminhada é realizada somente aos sábados, domingos e feriados. À frente da folia segue a bandeira, o estandarte empunhado e defendido pelos “alferes”. É ela o símbolo maior, com rosas artificiais que emolduram estampas religiosas, quase sempre os Magos montados em camelos sob a luz da Estrela do Oriente.