O Dia Fake do Nordestino

Por Antonio Magalhães*

Na sexta-feira, 8 de outubro, escrevi na coluna Mercado do jornal O PODER, associado a este blog, um comentário sobre o “Dia Fake do Nordestino”. Crítica a uma comemoração induzida pela Câmara Municipal de São Paulo a partir de 2009 para homenagear os nordestinos e seus descendentes que vivem por lá. E o foco foi a cultura nordestina e suas manifestações. Nenhuma palavra sobre a real contribuição de nossa gente à metrópole gigante do Brasil.

O tema “Dia do Nordestino” para paulista ver encheram as redes sociais de toda a região. Nenhuma avaliação crítica, apenas frases de orgulho por ter nascido aqui. Quando na verdade, para nós, todos os dias são dos nordestinos, ricos em cultura, matérias primas, com grande disposição para o trabalho. Juntos poderíamos fazer uma região melhor do que exportar mão de obra para São Paulo.

Se durante muitos anos exportamos pessoas pouco qualificadas profissionalmente, agora seguem para a capital paulistas homens e mulheres com currículos admiráveis. A região perde muito com isso e os paulistas ganham. E mesmo diante dessa nova onda migratória “gourmet”, eles continuam insistindo nessa farsa do dia folclorizado para nossos parentes e amigos que vivem lá.

Duas repercussões de qualidade me impressionaram pela percepção do que foi escrito em O PODER. A primeira delas foi de Solange Guimarães Valadares de Sousa, mestre em História da Educação pela UFPE e cidadã de Goiana, na Zona da Mata de Pernambuco. Transcrevo abaixo suas palavras, embora já tenham sido divulgadas sábado, 9, por este blog:

“Parabenizo o Sr. Antônio Magalhaes, editor do Jornal O PODER, pelas excelentes matérias que tem publicado com as quais tenho me identificado.

Concordo com seu ponto de vista sobre o Decreto da Câmara Municipal de São Paulo que criou o DIA DO NORDESTINO realçando os nordestinos apenas como produtores culturais mas  que não destaca a maior contribuição desses valentes à economia de São Paulo.

Ele chamou de DIA FAKE DO NORDESTINO  pela ingratidão do paulista aos trabalhadores que construíram  São Paulo. Sem desmerecer  aqueles que nos enriquecem no mundo cultural ressalta que o outro lado existe, chama atenção de quê :

– pelo censo de 2015, mais de 5,6 milhões de pessoas são do Nordeste ou 12% da população paulista;

– estes chegaram à capital em busca de trabalho na área da construção civil;

– são trabalhadores do pesado que levantaram São Paulo do chão.

Não somos somente produtores culturais mas, também, trabalhadores do pesado esta verdade precisa ser explicitada.

Ele ainda nos informa que, hoje, este perfil mudou. Pelos dados do  IBGE, do início do ano, para 2021, Sul e Nordeste devem puxar a retomada da economia e devem crescer 4% cada.

E agora ?

Que bom saber que o Nordeste está oferecendo mais oportunidade de trabalho. Esta semana tive contato com uma pessoa, em Goiana, que disse ter voltado para Pernambuco por falta de emprego em São Paulo depois de residir lá por 14 anos em serviços domésticos.

Conclusão, o Dia do Nordestino não foi criado por nós, mas uma criação dos paulistas que, segundo ele, “querendo ser bonzinhos”.

Bonzinhos por quê ou pra quê, pergunto eu?

Busquemos a resposta”.

FALA UM PAULISTA

Outra repercussão qualificada veio do jornalista Mauro Bastos, nascido e criado na Mooca, bairro de origem operária em São Paulo, que morou no Recife e conhece bem o que é o Nordeste:

“Concordo com o que você disse sobre a bobagem do Dia do Nordestino. Os nordestinos começaram a chegar em São Paulo, majoritariamente, após a Segunda Guerra e encontraram uma cidade de europeus. Italianos, em sua maioria, espanhóis, lituanos, ucranianos, portugueses, alemães. Uma cidade que cumpriu a meta de branqueamento da raça, meta da elite do país.

Os nordestinos venderam sua mão de obra mais barata para sobreviver. Essa foi a base do preconceito. O mesmo aconteceu no século 19 em Curitiba, quando alemães e italianos, viram sua mão de obra barateada com a chegada dos poloneses. Daí “polaco” virar palavrão por lá.

Em São Paulo deu-se o mesmo, todo nordestino virou baiano. Mas, depois de décadas, essas divisões foram atenuadas. Meus dois filhos são casados com filhos de nordestinos: cearense e baiano. Sendo que o mais novo é neto de italianos. O processo de miscigenação é uma riqueza do país, mas não é pacífico e nem igualitário. Mas é inevitável.

Todo tipo de regionalismo, que não seja para preservar as manifestações culturais, é perigoso e ocioso. O sul do Brasil é exemplo disso. Como disse Darcy Ribeiro, alemães, italianos, trazidos e isolados criam culturas transplantadas. É o caso da Argentina, mistura majoritária de espanhol com italiano. Os nordestinos em São Paulo penaram com esse embate, também.

Hoje, seus filhos estão integrados. Mas é bom não esquecer que se eles sofrem em São Paulo, é porque aqui existe alguma saída, alguma esperança. Algo que nunca tiveram nas mãos das elites nordestinas com seus usineiros,  coronéis e jagunços. Viva o povo nordestino!”

É isso.

*Jornalista

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