Um desesperado poema de amor, com as saudades que Castro Alves não conseguia evitar

 Tudo vem me lembrar que tu fugiste, Tudo... Castro alves
O poeta baiano Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871) é símbolo da nossa literatura abolicionista, conhecido como “Poeta dos Escravos”. Entretanto, o poema “Hora da Saudade” demonstra sua versatilidade poética, porque tudo na sua vida cotidiana acarreta lembranças de sua amada.
HORA DA SAUDADE
Castro Alves
Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala

No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu’inda há pouco lias.

As horas passam longas, sonolentas…
Desce a tarde no carro vaporoso…
D’Ave Maria o sino , que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.

E não vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.

E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n’alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.

É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala…
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.

No ramo curto o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos…
Eras – ave do céu…minh’alma – o ninho!

Por onde trilhas – um perfume expande-se
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço…

E teu rastro de amor guarda minh’alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!…