RIO — “Ah, tenho mais o que fazer, né?”: este é o argumento de Drauzio Varella para evitar o uso das redes sociais. Apesar de estar presente no Facebook, Twitter, Instagram e possuir um portal de informações que leva seu nome — todos sob comando de sua equipe, o médico mais popular do Brasil é completamente avesso à ultraconectividade que rege o cotidiano da maioria das pessoas nos dias de hoje.

Um dos episódios que melhor resume seu distanciamento das curtidas e compartilhamentos é a polêmica sobre o abraço dado na detenta transexual Suzy Oliveira, exibido em uma reportagem do “Fantástico”, em março. Após a matéria ir ao ar, veio à tona a informação de que Suzy havia sido condenada por estuprar e matar uma criança. Nas redes sociais, Drauzio enfrentou aquele fatídico julgamento virtual, também conhecido como “cancelamento”.

À época, ele gravou um pronunciamento reiterando sua conduta como voluntário em penitenciárias há mais de três décadas, nunca perguntando a seus pacientes o que eles fizeram de errado em suas vidas pregressas. Ele também se desculpou com a família do menino vítima do crime de Suzy e com os espectadores que possam ter se decepcionado com ele.

— Recebi um bando de mensagens dizendo: “Deve estar sendo uma barra pra você”. E eu respondia meio surpreso, afirmando que estava tudo bem. Não fazia ideia de toda a confusão nas redes — comenta — Tenho pessoas contratadas que controlam esses canais, mas eu mesmo não acesso, nem sei a senha. Não sou mais um rapaz de 30 anos, né? Tenho mais uns dez anos pra viver, preciso aproveitar.

Drauzio Varella se diz completamente desconectado das redes sociais Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Drauzio Varella se diz completamente desconectado das redes sociais Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Em contraste com essa previsão pouco otimista de sua longevidade, Drauzio ostenta 77 anos de vida, sendo que 20 deles com serviços prestados nas noites de domingo da Globo, em sua parceria com o “Fantástico”. Seu quadro mais recente, “Parada obrigatória – Vencendo a ansiedade”, foi lançado semana passada. O segundo e último episódio vai ao ar neste domingo.

No foco, estão transtornos que aplacam quase 19 milhões de brasileiros (cerca de 9% da população), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O país ocupa a liderança mundial entre as nações com o maior contingente de pessoas que sofrem de ansiedade. Tal cenário, porém, se tornou ainda mais dramático com a chegada da pandemia e seu receituário interminável de restrições.

Para Drauzio Varella, dois cenários pré-Covid já empurravam os brasileiros para o topo deste ranking: a crise econômica e a violência urbana, responsáveis por um quadro de “alerta permanente”. Com a adição do coronavírus, novos efeitos colaterais surgiram, propiciando ainda mais brechas para os transtornos de ansiedade.

— O humano é um ser gregário, nasceu para estar junto, não em isolamento. Isso não é natural — pontua — Ainda por cima, dentro de casa, em home office, somos solicitados de forma permanente, seja no WhatsApp ou nas redes sociais. É uma máquina de fazer doido. A tecnologia avança para nos fazer trabalhar mais, a verdade é essa.

Cultura é um bom ‘remédio’

Ainda na seara de diagnósticos sociais em tempo de pandemia, ele reforça a necessidade de traçar uma linha, por mais difícil que seja, entre um quadro de cansaço natural e um estado crônico de ansiedade. É preciso ser cauteloso, por exemplo, com um dos mantras mais repetidos durante 2020: “tudo bem não estar bem”.

Uma característica importante para entender quando seu corpo chegou ao limite, segundo Drauzio, é perceber quando as crises passam a interferir no cotidiano e impedem a pessoa de levar a vida sob aparente normalidade. Sem contar, logicamente, com sintomas físicos.

— É preciso tomar cuidado também com a palavra “estresse”, que é muito mal usada. Um sinal de trânsito fechado não deixa ninguém estressado, apenas irritado — exemplifica — O estresse permanente é aquilo que faz o coração disparar, a pressão subir, você entra num modo de funcionamento acelerado do organismo. E acaba facilitando vários tipos de transtornos.

Para enfrentar os quadros de ansiedade quando apresentados, uma das alternativas apontadas por Drauzio Varella é o tratamento psicológico, conforme será exibido no segundo episódio de “Parada obrigatória”, no domingo.

Porém, a pandemia continua e as pessoas ainda estão muito suscetíveis a apresentar sintomas destes transtornos. Infelizmente, ninguém está imune à ansiedade. Para Drauzio, inclusive, “todos somos ansiosos em certo grau”.

Por outro lado, há atitudes no dia a dia que podem funcionar como “remédios” preventivos que desanuviam o estado de tensão, como a prática do exercício físico e o consumo de cultura.

— Não dá pra ficar com a cabeça na pandemia 24 horas por dia, é enlouquecedor — alerta — A leitura, por exemplo, é um excelente ansiolítico, pois monopoliza todas as áreas da mente.

Aliás, durante a pandemia Drauzio se automedicou bastante com obras consagradas da literatura mundial. Uma das receitas, prescrita por um dos maiores autores nacionais, ele guarda na estante de casa há bastante tempo.

— Li pela sexta vez “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Também li “A morte de Ivan Ilitch”, de Tolstói, e alguns contos dele também — conta o médico, que chegou a tentar assistir a alguns filmes, mas sem sucesso — Vi dois, mas foram umas porcarias, prefiro nem recomendar. Em compensação, que série maravilhosa é “Chernobyl”, hein?