Um dos líderes dos protestos em Hong Kong fala à Oeste

Joshua Wong pede que o mundo apoie a luta pró-democracia do território e afirma que os protestos vão continuar

Aos 23 anos, Joshua Wong faz parte da última geração que nasceu em Hong Kong quando o território ainda pertencia ao Reino Unido. Um dos nomes mais conhecidos das manifestações contra a tirania chinesa, Wong rejeita o rótulo de líder e afirma que as manifestações vão continuar apesar da repressão policial crescente.

Em entrevista exclusiva à Oeste, ele fala sobre a nova lei de segurança nacional que a China quer impor a Hong Kong, o risco de perseguição e como a repressão policial chinesa está interferindo no território. Confira:

Como você avalia a nova lei de segurança nacional que a China quer impor a Hong Kong?

A nova Lei de Segurança Nacional em Hong Kong irá acabar com futuros movimentos democráticos, uma vez que todos os protestos e manifestações serão considerados atentados de subversão aos poderes da China. Para fazer a lei ser cumprida, Pequim quer instalar um órgão de segurança nacional sem precedentes na cidade. Esse órgão secreto da polícia provavelmente substituirá as forças policiais e governamentais e realizará prisões secretas dos dissidentes, como já acontece na China. Em outras palavras, a nova lei serve como uma arma para exterminar as aspirações democráticas de Hong Kong.

Essa lei pode levar a um aumento das manifestações em Hong Kong?

A lei irá despertar uma nova rodada de protestos. Em 2019, mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas contra a lei anti-extradição com o objetivo de proteger as futuras gerações. Os habitantes de Hong Kong também realizaram grandes protestos em 2003 contra a Legislação de Segurança Nacional. A nova lei é ainda pior, porque coloca em risco as liberdades individuais de todos. A estratégia de Pequim é enfiar essa lei controversa goela abaixo dos moradores, sem nenhuma votação legislativa. É previsível que os habitantes de Hong Kong estejam preparados para lutar para manter sua liberdade. Peço ao mundo que, mais uma vez, nos apoie.

Teme ser alvo dessa nova lei?

Provavelmente serei o primeiro alvo dessa nova lei, já que tenho recebido críticas de autoridades de Pequim por comparecer a audiências internacionais e contar ao mundo a verdade sobre a opressão do regime e a brutalidade da polícia. A China aponta eu e Nathan Law como os líderes por trás do movimento, embora não haja líderes.

Hong Kong é um centro financeiro global. As empresas sediadas aí podem fazer alguma pressão no governo chinês?

Para proteger o interesse comercial da cidade, especialmente daqueles que escolhem Hong Kong como sede regional, é crucial que as empresas expressem sua opinião e se oponham à aprovação da lei. Manter o status de autonomia de Hong Kong é a única maneira de preservar o interesse comercial. No passado, Hong Kong tinha barreiras para combater a influência política da China, como garantias de proteção aos direitos humanos, um judiciário independente e regulamentos comerciais livres. Essas são as razões pelas quais as empresas escolhem Hong Kong como destino de investimento.

O que o mundo pode fazer para ajudar Hong Kong?

Apelo aos líderes mundiais que, juntos, façam oposição à nova lei. Como a lei de segurança é extremamente controversa, deve ser realizada uma votação parlamentar e uma consulta pública. Também peço aos líderes mundiais que reconsiderem a manutenção do status especial de Hong Kong, pois, uma vez que a lei entrar em vigor, a cidade será assimilada ao regime autoritário da China, tanto no estado de direito quanto na proteção aos direitos humanos.

Mesmo com essa nova lei, você continuará protestando?

Este é um momento importante para cada cidadão de Hong Kong. Frente a esta lei draconiana, os cidadãos de Hong Kong não serão dissuadidos de falar a verdade e lutar por justiça. A questão não é se nossas escolhas são fáceis ou não, mas se são certas ou erradas. Para lutar pela mínima esperança de democracia sob as garras autoritárias da China, insistimos não porque somos fortes, mas porque não temos escolha. Continuaremos nossa luta pela democracia. A verdade e a justiça não devem morrer em silêncio.

Por Gabriel Oneto

Revista Oeste

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Que país é esse? Colonizado e periférico ou protagonista?

Por Isaac Roitman*

Peguei emprestado como parte do título do artigo a composição musical criada por Renato Russo (Renato Manfredini Junior) em 1978 e que teve grande sucesso na banda Legião Urbana. A letra da música é questionadora e pretende tecer uma severa crítica social. Quando foi criada, no final dos anos 70, já havia a sensação de impunidade e falta de regras civilizatórias. O compositor não critica apenas a classe política, mas também a corrupção espalhada e arraigada no nosso dia a dia.

Um dos versos diz: “Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação”. Em um outro: “Mas o Brasil vai ficar rico / Vamos faturar um milhão / Quando vendermos todas as almas / Dos nossos índios num leilão”.

A composição criada há 42 anos parece ter sido escrita ontem. Uma questão então emerge: o Brasil melhorou? A resposta é não.

A pandemia provocada pelo coronavírus, parafraseando, Hans Christian Andersen (o rei está nu), revelou que o país está nu e despreparado para enfrentar a grave crise sanitária que assola o planeta. Em adição, a pobreza e a fome, consequência da vergonhosa desigualdade social, condenará a morte um grande contingente das populações vulneráveis.

A demissão recente de dois ministros da saúde competentes revela que o país está à deriva. O descaso com o desenvolvimento científico brasileiro, com cortes de investimentos e redução de bolsas, revela uma falta de visão para o futuro. A crise da Covid-19 certamente nos ensinará muito. O modelo econômico planejado pelos banqueiros e seus comparsas naufragou. Por outro lado, a pandemia revelou atitudes virtuosas, como a dedicação dos trabalhadores da saúde para enfrentar os efeitos perversos da pandemia. As iniciativas solidárias, para mitigar o sofrimento das camadas mais vulneráveis é um sinal que podemos aprimorar a nossa missão com o coletivo.

Precisamos definir se queremos continuar a ser um país com o mesmo enredo, colonizado, periférico e campeão na injustiça social? Se a resposta for sim, vamos continuar na zona de conforto, acomodados e não gastar nenhum minuto pensando nas futuras gerações de brasileiros e brasileiras. Vamos continuar a eleger nas esferas do Executivo e Legislativo pessoas que não são preparadas e que não apresentam nenhuma sensibilidade para o coletivo.

No entanto, se a resposta for não, vamos ser todos protagonistas de transformações onde todos possam alcançar seus sonhos. Em uma verdadeira democracia, o Estado deve priorizar os desejos e sonhos do povo. Um modelo de desenvolvimento baseado apenas no desenvolvimento econômico é incompleto. Crescimento econômico sem desenvolvimento social resulta em falta de inclusão, indignação, descontentamento e agitação social.

É urgente conquistarmos uma educação que consolide valores e virtudes e que inclua uma educação ambiental e libertária sem espaço ao individualismo, a competição, ao consumismo e ao mercado que não respeite os princípios civilizatórios e direitos de todas as camadas sociais. Para conquistarmos o Brasil que queremos, é preciso mudar o pensamento e as atitudes das pessoas. É pertinente lembrar o pensamento de George Bernardo Shaw: “Progresso é impossível sem mudança, e esses que não podem mudar suas mentes não podem mudar coisa nenhuma.”

A preocupação com o futuro e com o legado que deixaremos para as próximas gerações devem pautar as nossas ações no presente. Lembremos que não somos imortais e que o nosso compromisso maior é com os nossos descendentes.

No Brasil, não temos tradição de planejar a longo prazo. Nossos projetos se limitam a quatro ou oito anos de governo, e a maioria deles não são realizados. É preciso planejar a longo prazo, estabelecer projetos de Estado e construir um novo Brasil, melhor e mais justo. Vamos trabalhar para que no breve futuro possamos apreciar a bela composição de Renato Russo e a pandemia do coronavírus como uma lembrança do passado que nunca voltará.

*Professor emérito da Universidade de Brasília, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e membro do Movimento 2022 O Brasil que Queremos.

Monitor Mercantil