Isabel dos Santos, que vive entre Londres e Dubai e é dona de uma fortuna avaliada em US$ 2 bilhões, está sendo processada pela Justiça angolana, sob a acusação de ter desviado 1 bilhão em fundos estatais. Sua situação se complicou no último domingo, quando foram publicadas por vários veículos da imprensa brasileira e internacional reportagens baseadas em 700 mil documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), nos chamados Luanda Leaks (Vazamentos de Luanda).

As reportagens mostram que Isabel dos Santos pegou para si uma parte da riqueza de Angola, muitas vezes por meio de decretos assinados por seu pai. Ela tinha participação nas exportações de diamantes do país, na maior empresa de telefonia móvel, em dois de seus bancos e em sua maior produtora de cimento, além de ter usado a estatal de petróleo do país, a Sonangol, para comprar uma participação na maior companhia petrolífera de Portugal, a Galp.

Como títular de 6% das ações da Galp, Isabel dos Santos teria se beneficiado, segundo a revista piauí, de um projeto da Petrobras com a empresa portuguesa para produzir biocombustível a partir do azeite de dendê. O projeto, que nunca foi concluído, deu prejuízo de ao menos R$ 267 milhões à estatal brasileira, segundo admitiu a Petrobras à revista.

Os documentos obtidos pelo ICIJ mostram como uma rede global de consultores, advogados, banqueiros e contadores ajudou Isabel dos Santos a acumular sua fortuna e guardá-la no exterior. Algumas das principais empresas de serviços profissionais do mundo — incluindo Boston Consulting Group, McKinsey & Company e PwC — facilitaram esses esforços.

O império que ela e o marido, Sindika Dokolo, ergueram vai de Hong Kong aos Estados Unidos, e inclui mais de 400 empresas e subsidiárias. Abrange propriedades em todo o mundo, incluindo uma mansão de US$ 55 milhões em Monte Carlo, um iate de US$ 35 milhões e uma luxuosa mansão em Dubai em uma ilha artificial em forma de cavalo-marinho.

Entre os negócios estão uma joalheria suíça, a De Grisogono, que, revelam registros e entrevistas, era liderada por uma equipe recrutada pela Boston Consulting. Sob seus cuidados, milhões de dólares em fundos estatais angolanos ajudaram a financiar festas anuais na Riviera Francesa.

Quando a Boston Consulting e a McKinsey assinaram um contrato para ajudar a reestruturar a Sonangol, a empresa estatal de petróleo de Angola, elas concordaram em ser pagas de maneira incomum — não pelo governo, mas por uma empresa maltesa de propriedade de Isabel. Nesse momento, em 2016, seu pai a pôs no comando da Sonangol, e os pagamentos do governo dispararam, distribuídos por outra empresa offshore, a Matter Business Solutions, essa de propriedade de um amigo dela, português.

A PricewaterhouseCoopers, agora chamada PwC, atuou como sua contadora, consultora e assessora tributária, trabalhando com pelo menos 20 empresas controladas por seu marido. Houve momentos em que o dinheiro do Estado angolano não foi contabilizado, de acordo com especialistas em lavagem de dinheiro e contadores forenses que revisaram os documentos.

Quando as consultorias ocidentais chegaram a Angola quase duas décadas atrás, elas foram vistas pela comunidade financeira global como indutoras de profissionalismo e padrões mais altos de governança empresarial. Mas, no fim das contas, elas pegaram o dinheiro e fizeram o que seus clientes pediram, disse Ricardo Soares de Oliveira, professor de Política Internacional em Oxford que estuda Angola.

— Elas estão lá como fornecedoras de qualquer objetivoque essas elites queiram — disse ele. — Elas não têm padrão moral. São o que você faz delas.

No mês passado, um tribunal angolano congelou os bens de Isabel dos Santos, como parte de uma investigação de corrupção, junto com os do marido e de um sócio português. Isabel e seu marido podem enfrentar anos de prisão se condenados. No centro da investigação estão US$ 38 milhões em pagamentos da Sonangol a uma empresa de fachada de Dubai, horas depois que o então recém-empossado presidente de Angola, João Lourenço, anunciou em 2017 a demissão de Isabel da estatal.

O meio-irmão de Isabel dos Santos também está enfrentando acusações de corrupção por ajudar a transferir US$ 500 milhões do fundo soberano de Angola para o exterior.

Em entrevista à BBC, Isabel, de 46 anos, negou qualquer irregularidade e chamou o inquérito de “perseguição política”.

— Minhas empresas são financiadas de modo particular, trabalhamos com bancos comerciais, nossas participações são participações privadas — disse ela.

Bancos globais, incluindo o Citigroup e o Deutsche Bank, que seguem regras rígidas para clientes com conexões políticas, se recusaram a trabalhar com a família nos últimos anos, mostram os documentos.

“Esses caras ouvem falar de Isabel e correm como o diabo da cruz”, escreveu Eduardo Sequeira, chefe de finanças corporativas da Fidequity, empresa portuguesa que administra muitas das empresas de Santos, em um e-mail de 2014, após o banco espanhol Santander se recusar a trabalhar com ela.

Os documentos do Luanda Leaks incluem e-mails, apresentações de slides, faturas e contratos. Eles chegaram ao ICIJ através da Plataforma de Proteção de Denunciantes na África, um grupo jurídico e de ativismo baseado em Paris.

A PwC disse que estava investigando suas relações com Isabel dos Santos e deixaria de trabalhar com sua família. A Boston Consulting disse que tomou medidas, quando contratada, “para garantir o cumprimento das políticas estabelecidas e evitar a corrupção e outros riscos”. A McKinsey chamou as acusações contra Isabel de “preocupantes” e disse que não estava fazendo nenhum trabalho agora com ela ou suas empresas.