Apesar da liminar vergonhosa de Toffoli, a produção de relatórios do Coaf só caiu 14%

Charge sem assinatura, reproduzida do Arquivo Google

Marco Grillo
O Globo

O total de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) caiu 14,6% no ano passado na comparação com 2018, interrompendo uma trajetória contínua de alta registrada desde 2011. O número de 2019 sofreu impacto direto da liminar concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que condicionou o compartilhamento das informações entre o Coaf e órgãos de investigação, como o Ministério Público, à prévia autorização da Justiça.

A decisão começou a valer em 17 de julho e vigorou até o início de dezembro, quando o plenário da Corte autorizou o repasse de dados sem a necessidade de aval do Poder Judiciário. Em 2019, o Coaf produziu 6.274 relatórios, número inferior aos de 2018 (7.350) e 2017 (6.609).

PRODUÇÃO CRESCENTE – O número vinha crescendo desde 2011, a uma média de 26% ao ano. A análise mês a mês dos dados do ano passado mostra dois cenários distintos: entre janeiro e junho, quando não havia liminar em vigor, o Conselho produzia, em média, 741 documentos por mês; já de agosto a novembro, a média caiu para 151. Em julho, mês atingido em parte, foram 533 documentos feitos, enquanto em dezembro, quando o plenário do STF derrubou a liminar, o volume voltou a crescer e chegou a 688 relatórios.

Além de limitar o compartilhamento, a liminar de julho interrompeu todas as investigações em curso que usavam RIFs sem autorização prévia da Justiça. A decisão atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), investigado pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) por suposta prática de “rachadinha” na época em que foi deputado estadual.

Duas semanas depois de o entendimento ter sido revisto pelo STF, Flávio foi alvo de uma operação em que mandados de busca e apreensão foram cumpridos em endereços ligados a ele e ao ex-assessor Fabrício Queiroz.

LAVAGEM DE DINHEIRO – Os RIFs são elaborados quando há indícios de lavagem de dinheiro em operações financeiras. Diversos setores, como bancos e corretoras, são obrigados a informar ao Coaf quando as transações fogem de padrões preestabelecidos. Os parâmetros que definem se determinada transação é considerada suspeita são estabelecidos pela legislação e por normas do Banco Central.

Nem toda operação suspeita dá origem a um relatório: bases de dados são consultadas para saber se há elementos que a justifiquem ou se os envolvidos têm lastro financeiro para a movimentação. Quando inconsistências são verificadas, os documentos são elaborados. Operações em espécie também podem dar origem a RIFs. Os documentos são usados por investigadores para embasar linhas de apuração e não representam isoladamente prova de crime.

APOIO DE TOFFOLI– A retomada do entendimento original, permitindo que o Coaf compartilhe informações sem que a Justiça tenha que autorizar, teve apoio do próprio Toffoli. Assessores do ministro estiveram pessoalmente com representantes do Gafi, organização intergovernamental que estabelece diretrizes contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo.

A liminar depois derrubada teve repercussão negativa também na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — uma comissão da entidade manifestou preocupação com a imposição de limites ao Coaf.

ANO ATRIBULADO — “A decisão do plenário do Supremo validou todo o mecanismo de compartilhamento de informações, o que dá tranquilidade e segurança para os órgãos atuarem em cooperação. A liminar teve impacto significativo, mas esse entendimento atual é importantíssimo para fortalecer o combate à corrupção, que vinha numa ascendente nos últimos anos — avalia o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio Goerge da Nóbrega.

O desfecho satisfatório para o Coaf representou o fim de um ano atribulado para o órgão, marcado pela demissão de um presidente — o auditor fiscal Roberto Leonel, ligado ao ministro da Justiça, Sergio Moro — e por mudanças que fizeram o Conselho passar por dois ministérios até chegar ao Banco Central.

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