O Holocausto pela arte de uma sobrevivente

Uma exposição em Madri mostra a obra de uma artista autodidata e talentosa, que retrata suas lembranças de infância nos campos de concentração nazistas

Exposição permanece no Museu até março de 2020 (Foto: Matthias Reichelt/ Ceija Stojka Divulgação)

Os quadros de Ceija Stojka, em tinta a óleo e acrílico, em geral não têm títulos. Mas transmitem tanta força e expressividade que quase sempre os títulos são desnecessários.

Em um deles, um trem percorre uma estrada de ferro sob um céu vermelho, com uma suástica à frente; em outro, um olho arregalado tem o desenho de uma chaminé fumegante, um crânio e pássaros pretos pousados em cercas de arame farpado.

Seis anos após sua morte, as pinturas e desenhos de Stojka, uma cigana de origem romena, que sobreviveu aos campos de concentração de Auschwitz, Ravensbrück e Bergen-Belsen, serão expostos no museu Reina Sofia, em Madri. A grande exposição intitulada “Isso aconteceu” homenageia uma artista, que dedicou grande parte de sua vida a narrar os crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas.

Stojka, que teve o primeiro filho aos 15 anos e que ganhava seu sustento com a venda de tapetes, não teve uma educação artística formal e desenvolveu seu trabalho inspirada nas lembranças da infância.

De uma família romena de comerciantes de cavalos, Stojka nasceu em 1933 no estado austríaco de Estíria. Em 1938, a Alemanha anexou a república da Áustria ao território do Terceiro Reich.

Três anos depois, seu pai, Wackar, foi preso e enviado para Dachau onde morreu na câmara de gás, em 1942. Stojka, a mãe e os cinco irmãos foram deportados para Auschwitz no ano seguinte. O irmão mais novo, Ossi, morreu de tifo no campo aos sete anos, mas a família sobreviveu à guerra.

“Minha mãe pouco falava sobre sua infância nos campos de concentração. Porém, às vezes as recordações a atormentavam”, disse Hojda, filha de Stojka que cresceu em Viena ocupada pelos Aliados.

“Certa vez, quando eu tinha uns 4 ou 5 anos, estávamos andando na rua e minha mãe entrou em pânico ao ver dois homens vestidos com uniformes de soldados russos. Ela segurou minha mão com força e me puxou para perto dela, com uma expressão de terror no rosto”.

Aos 50 anos, Stojka decidiu revisitar o passado. Começou a anotar suas lembranças e, em seguida a uma viagem ao Japão, onde visitou a comunidade segregada da minoria burakumin, pintou seus primeiros quadros.

Entre o final da década de 1980 e sua morte, em 2013, Stojka escreveu três livros, fez inúmeras anotações de suas lembranças e pintou mais de mil desenhos e quadros.

“Minha mãe queria mostrar aos jovens o que havia acontecido em um passado não tão distante, para que o Holocausto e o genocídio dos ciganos não se repetissem”, disse Hojda.

Ao escrever, pintar e desenhar, Stojka se reconciliou com o passado. Como escreveu em um dos seus poemas: “Auschwitz é meu casaco, Bergen-Belsen meu vestido e Ravensbrück minha camiseta, então por que deveria ter medo?”.

Seus quadros mostram cenas dramáticas de corpos, alguns nus, outros moribundos e outros em chamas, espalhados em campos cercados por arame farpado.

Alguns revelam sua história pessoal, como a pintura de um antebraço vermelho com o número Z6399, seu número de identificação em Auschwitz, tatuado em seu braço quando tinha 9 anos. Outro mostra calças de soldados de cor cinza e longas botas pretas, como na perspectiva de uma criança ao olhar para cima.

“Apesar de ser uma autodidata, Stojka tem uma sensibilidade artística muito sofisticada. Seus quadros retratam suas lembranças de infância na visão de uma criança, como na pintura das botas. Isso exige um grande refinamento visual”, observou Manuel Borja-Villel, diretor do museu Reina Sofia.

Nos próximos quatro meses, a coleção de pinturas e desenhos de Stojka irá ocupar a mesma galeria do famoso quadro Guernica, pintado por Pablo Picasso em protesto contra o bombardeio alemão e italiano, que devastou a cidade basca de Guernica, em 1937.

Paula Aisemberg, membro do Fundo Internacional Ceija Stojka, criado em 2018 para promover o trabalho da artista, e curadora da exposição, tem uma grande expectativa em relação à receptividade do público.

“As pessoas vão ver obras de forte impacto emocional e que retratam episódios pouco conhecidos da história, como o Porajmos [o genocídio cigano], no qual 500 mil ciganos foram assassinados pelos nazistas”.

Para Hojda Stojka, a exposição ocorre em um momento político delicado, em que partidos de extrema-direita, xenófobos e antissemitas, estão ocupando posições importantes na Europa. “É preciso que as imagens dos horrores do regime nazista fiquem gravados nas mentes das pessoas. Como minha mãe dizia, ‘Acho que Auschwitz está apenas dormindo’”.

The Guardian-‘She worked against forgetting’: Holocaust survivor’s art goes on display

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