‘Todo mundo começou a correr, e eu também’: O relato de uma testemunha da queda do Muro de Berlim, há 30 anos

Andreas Falge foi um dos mulhares de alemães orientais que cruzaram a fronteira para o oeste

“E, de repente, eles abriram a barreira! Todo mundo começou a correr. E eu também”. O alemão Andreas Falge foi um dos primeiros berlinenses orientais a atravessar para a Alemanha Ocidental, na noite de 9 de novembro de 1989, quando o Muro de Berlim começou a ser destruído por populares, há 30 anos.

Testemunha aturdida, arrastada pelo turbilhão da história, Falge se recorda da abertura do primeiro posto de fronteira de Berlim Oriental, quando a multidão chegou apressada e acuou os soldados, exigindo: “Abram a porta!”.

“Uma maré humana avançou em direção ao posto fronteiriço de Bornholmer Strasse e gritou: ‘Vocês ouviram as novidades?'”, contou Falge, em entrevista à agência de notícias AFP, parado no mesmo lugar em que estivera há 30 anos, durante um dos acontecimentos mais relevantes da história recente.

Com uma picareta, um homem derruba parte do Muro de Berlim, observado por uma multidão

O Muro de Berlim foi uma barreira erguida pela Republica Democrática Alemã (RDA), mais conhecida como Alemanha Oriental (socialista). A construção circundava toda a Berlim Ocidental (capitalista), dividindo a cidade ao meio, para impedir que os moradores da parte oriental fossem para o outro lado. Aquele foi o maior símbolo da Guerra Fria. De acordo com o historiador britânico Eric Hobsbawn, autor de “A era dos extremos”, a queda do muro encerrou o século XX “antes da hora”. Daí o termo cunhado por ele, “o breve século XX”.

Horas antes de a multidão parar diante dos soldados que ainda guardavam o muro, um representante da agonizante hierarquia comunista anunciou que os alemães orientais seriam, finalmente, autorizados a atravessar a fronteira. Esta decisão, porém, deveria ser publicada no dia seguinte, para que os órgãos públicos pudessem se organizar. Contudo, a notícia começou a circular no rádio e na TV.

Naquela noite, o alemão Andreas Falge, que na época trabalhava como técnico em um cinema de Berlim Oriental, assistia na televisão pública a uma partida de futebol pela Copa da Alemanha, assim como muitos de seus compatriotas.

Andreas Falge mostra cópia de página do passaporte a ida a Berlim Ocidental, com carimbo de saída em 1º de outubro de 1989

Por volta das 22h40, o apresentador anunciou a abertura da fronteira, até então hermética, que separou os berlinenses dos dois lados da “Cortina de Ferro” por mais de 28 anos. Os moradores da cidade não podiam acreditar no que estavam ouvindo. Durante todo esse tempo, o muro guardado por soldados fortemente armados, veículos de combate e cães ferozes os impedia de atravessar. Dividida brutalmente, a cidade alemã servia de principal cenário para a Guerra Fria, que opunha países capitalistas, sob influência dos Estados Unidos, e comunistas, sob influência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Após ouvir o pronunciamento, Falge pulou da cadeira. “Eu não tinha ideia se a fronteira já estava aberta ou não. Vamos lá, não me importo! Peguei minha jaqueta de couro, meus documentos, cem marcos alemães e um mapa de Berlim Ocidental”.

E assim o jovem chegou a Bornholmer Strasse, com centenas de outros curiosos, diante dos soldados hostis da Alemanha Oriental. “Tomei cuidado caso um deles sacasse de uma arma”, lembra o alemão. “E, de repente, abriram a barreira! Todo mundo começou a correr. E eu também”, prossegue.

Eram cerca de 23h30, e o Muro de Berlim começou a cair.

Desorientado, Falge avançou pela ponte e viu dois policiais da Alemanha Ocidental. “Foi nesse momento que percebi: Meu Deus, estou no Oeste!”. A aventura noturna estava apenas começando. Seu primeiro contato com o Ocidente foi com um bar. “Abri a porta e disse para mim mesmo: ‘Ótimo. Este é o Ocidente e suas luzes …'”.

Moradores de Berlim Oriental no portão de Brandenburgo, no dia do anúncio que moradores do leste poderiam fazer travessias sem precisarem pedir autorização

Em 1989, não havia celulares ou redes sociais para disseminar informações na velocidade do som. A maioria das pessoas que atravessavam a rua a apenas alguns metros de distância ainda ignorava o que estava acontecendo.

Um apaixonado por música e cinema, que nunca pensou em fugir da República Democrática da Alemanha (RDA), Falge tinha muitos contatos no Ocidente. Por sua mente cruzou um único pensamento: visitar seus amigos que costumam ir para o outro lado do muro. Do bar, ele ligou para seu amigo Wolfgang. “Ele me disse que estava feliz por eu ligar. Eu disse: “Pare de falar e venha me buscar”. Houve um silêncio. “Buscar você? Mas onde você está?”, pergunta Wolfgang. “Eu disse: ‘Eles acabaram de abrir o Muro’. E depois ouvi meu amigo soltar: ‘Puta que pariu'”.

Pela janela do táxi que o levou à casa de seu amigo, Falge viu o desfile de uma cidade não muito diferente da sua, exceto “por aquelas lojas iluminadas com neon e seus preços exorbitantes”.

Passou uma noite sem dormir (com muito álcool) naquele bar e no apartamento de Wolfgang, onde dois colegas de quarto chegaram, estupefatos ao descobrir Falge “sentado no sofá com uma cerveja na mão” .

No dia seguinte, ele retornou a Berlim Oriental para ir trabalhar no cinema.

“O único que estava lá era meu chefe”.

Seus colegas e até clientes desapareceram, pois todos foram o Oeste. “Então fechamos e fomos comemorar a queda do Muro na cantina do Volksbühne”, o famoso teatro de vanguarda que ficava em frente ao cinema.

Com um martelo nas mãos, alemão inicia a derrubada simbólica do Muro de Berlim
O GLOBO

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