Angenor, Angenor, quanta saudade eu sinto do senhor…

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Cartola, a cadeira, os óculos escuros, o cigarro e a genialidade

Jorge Béja

Sem a bagagem de vida, de cultura, de jornalismo, de convivência com os políticos e com o poder que ostenta este gigante colunista da Tribuna de Internet que é Sebastião Nery, hoje me atrevo, também como colunista, a copiar o estilo de seus artigos. Deixo de lado a Ciência do Direito, as considerações sobre o momento político que passa o Brasil e sigo a trilha de Nery que sempre nos brinda com a narrativa dos bastidores dos momentos da história dos políticos e da política brasileira, que o próprio Nery foi protagonista. Hoje, me atrevo a contar uma época áurea da minha vida, da vida do Rio de Janeiro, da vida do nosso Brasil.

Foi no início dos anos 70. Todos os dias e todas as vezes que eu entrava e saía do prédio do Edifício A Noite, na Praça Mauá, para ir até o 20º andar onde eu trabalhava como repórter e depois redator do Departamento de Jornalismo da Rádio Nacional, eu via aquele homem sentado numa cadeira no canto direito, quase junto à calçada, da entrada do famoso prédio.

AQUELE HOMEM – Sempre de óculos escuros. Sempre pitando seu cigarrinho. Sempre sozinho. Sempre sentado na cadeira virada. Fazia do encosto da cadeira apoio para seus braços. Sempre olhando para quem entrava e saía do prédio. Sempre calado. Eu sabia quem era aquele homem. Mas nunca tive coragem de ir falar com ele.

Ele era uma celebridade, um talento, uma relíquia viva do Brasil e dos brasileiros. Eu, um desconhecido, um “joão ninguém”. Ele, a majestade do samba, da MPB, do canto, da arte de compor. Era simples, sem a mínima ostentação. Eu até sabia seu nome de batismo, seu nome civil e não apenas o nome artístico.

Até que um dia veio a coragem. Parei diante dele, cumprimentei e ele me respondeu “Boa tarde”. Quando perguntei se eu podia tocar piano para ele, me indagou: “Te vejo sempre entrar e sair e não sabia que era pianista”. E do sublime diálogo, consegui que aquela estrela iluminada fosse comigo até o 21º andar do prédio. Lá entramos no auditório da Rádio Nacional, silencioso e abandonado.

TOQUEI BACH – Na plateia inclinada estavam todas as cadeiras vazias. No palco, silencioso, fechado e coberto, o mesmo portentoso piano de cauda inteira. Era um Steinway&Sons que nele tocou, por muitas décadas, o genial pianista da Rádio Nacional, Francisco Scarambone. Trêmulo, toquei Jesus Alegria dos Homens, de Bach. O gênio ouviu, gostou e agradeceu. Me senti tocando para Deus. E ele era mesmo um Deus aqui na terra.

Ocorreram outros encontros ao longo dos meses. Sempre lá, no auditório, deserto e abandonado da Rádio Nacional e que hoje não existe mais.  E a cada encontro musical, sempre surgia alguém para presenciar. Henriqueta Brieba chegava de mansinho, para não ser percebida. Hélio do Soveral, também veio. Amaral Gurgel, maestro Chiquinho, Sérgio Bittencourt, José Messias, Humberto Reis, Saint Clair Lopes, vieram depois, noutros dias. O gênio — que era continuo do Ministério da Indústria e Comércio (o MIC ocupava o prédio até o 17º andar e o restante, do 18º ao 22º, era a emissora) —, o gênio e o repórter-pianeiro voltaram a dar um pouco de vida àquele famoso palco e sagrado auditório da Rádio Nacional.

O gênio com sua voz, suas composições, ora ao cavaquinho, ora ao violão. O repórter-pianeiro não fazia feio, ainda que os estilos musicais fossem diferentes. Mas onde existe amor, compreensão, carinho, fraternidade e simplicidade, tudo se completa. Tudo ganha beleza. Tudo se torna santificado. Nada é conflitante. Nada desafina. Tudo fica harmonioso.

ENCANTAMENTO – Mas esses momentos de encantamento duraram pouco. Ocorreram umas cinco ou seis vezes. O auge mesmo foi aqui em casa, que nela moro há 65 anos. No 23 de abril de 1971, dia de São Jorge, completei 25 de idade. E naquele dia, aqui neste mesmo apartamento vieram à noitinha e ficaram a noite inteira até o dia seguinte raiar: Donga, que era oficial de justiça aposentado e amigo de meu pai; Bororó, Sérgio Bittencourt, Oduvaldo Cozzi, João Saldanha, Jorge Curi e ele. Simples e simplesmente ele. Ele, o contínuo do MIC. Ele, Seu Angenor de Oliveira. Ele, o eterno e imortal Cartola.

Ah! quanta saudade!. Não me queixo às rosas. É bobagem. As rosas não falam. Mas elas exalam o perfume que roubaram de ti, Cartola. Então, que as rosas me consolem porque as rosas são você. Mas o consolo não é tudo. Porque neste casa estão faltando eles e a saudade deles está batendo em mim, não é mesmo, Sérgio Bittencourt?

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