A operação ‘spoofing’ e a saída ‘recorde’ de procuradores da Lava Jato

Polícia Federal prendeu jovens por ligação com ‘ataques hackers’ horas depois de Paulo Guedes dizer ter sido hackeado

A operação ‘spoofing’ e a saída ‘recorde’ de procuradores da Lava Jato
Todos têm direito a ter sua própria opinião, não os próprios fatos (Foto: Fabio Pozzebom/ABr)

Numa das audiências em que compareceu no Congresso Nacional para falar da Vaza Jato, Sergio Moro contraditou um parlamentar da oposição, que lhe confrontara duramente, recitando um velho aforismo, o de que as pessoas têm o direito à própria opinião, mas não têm direito aos próprios fatos.

Todos têm direito, portanto, a ter opinião positiva, a acreditar na seriedade da operação da Polícia Federalque no fim da tarde da última terça-feira, 23, prendeu quatro “hackers” ligados a uma suposta invasão dos celulares de Moro e Deltan Dallagnol apenas horas depois de a líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann, e de o ministro da Economia, Paulo Guedes, alardearem que tiveram seus celulares hackeados também.

Uma operação batizada, pela Polícia Federal sob comando do próprio Moro, de “spoofing”, que, conforme a mídia brasileira vem repercutindo, é um “termo usado para um tipo de falsificação tecnológica que procura enganar uma rede ou uma pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação é confiável quando, na realidade, não é”, tipo “não reconheço a autenticidade das mensagens, que podem ter sido total ou parcialmente adulteradas”.

Todos têm direito a ter sua própria opinião, não os próprios fatos. Fato: o número de procuradores que deixaram a Lava Jato entre o período das eleições 2018 e as vésperas da Vaza Jato do Intercept Brasil, um intervalo de menos de um ano, é maior do que em todo o tempo anterior, quatro anos e meio, de vigência da operação. Todos pediram para sair.

No núcleo da operação, por exemplo, só três procuradores deixaram a força-tarefa do MPF no Paraná desde março 2014, quando ela foi criada. Dois deles saíram entre o período eleitoral e as semanas que antecederam o vazamento das mensagens de Telegram da Lava Jato para o Intercept Brasil.

O decano e o caçula

O primeiro a sair foi Andrey Borges de Mendonça, ainda em 2014. Chama atenção seu desligamento prematuro de uma equipe da qual ninguém mais arredaria pé até a vizinhança da eleição de Jair Bolsonaro. O segundo procurador a deixar o núcleo da Lava Jato em Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima, só saiu quatro anos depois de Andrey, em setembro de 2018.

Naquela feita, Carlos Fernando dos Santos Lima disse em nota: “após quatro anos e seis meses na operação Lava Jato e me aproximando da aposentadoria aos quarenta anos de serviço público, tomei a iniciativa de pedir meu afastamento das investigações. Fiz isso por entender necessário preceder minha aposentadoria desse distanciamento ético, pois foi assim que sempre procedi em minha vida profissional”.

“Decano da Lava Jato”, Carlos Fernando viria a se aposentar seis meses depois, em abril deste ano. Aposentado, começou a se oferecer no mercado de compliance, para dar “consultoria anticorrupção para empresas”, após cumprir a auto-imposta “quarentena ética” pós-Lava Jato.

No mês seguinte, abril último, foi a vez de Diogo Castor, caçula da Lava Jato, deixar a task force, por “estafa física e mental”. Além de Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor, nada menos que três procuradores da Lava Jato em São Paulo solicitaram desligamento da operação em janeiro deste ano: Bruno Magalhães, Ana Cristina Bandeira Lins e a própria coordenadora do grupo, Thaméa Danelon, que aparece em vários diálogos de Telegram vazados ao Intercept Brasil.

Contra fatos é que é argumentos

Na época, a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo disse, em nota, que desde o início de suas atividades havia previsão de rodízio na função de coordenador. Thaméa, porém, deixou o comando da Lava Jato em São Paulo apenas três meses após assumir o cargo, citando “assuntos familiares”.

Além de Carlos Fernando, Diogo, Bruno, Ana Cristina e Thaméa, chamaram atenção outros dois pedidos de demissão de nomes ligados à Lava Jato, esses já com a Vaza Jato a pleno vapor.

Primeiro, no último 9 de julho, Giselly Siqueira deixou a assessoria de comunicação do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Giselly é nora da jornalista Miriam Leitão. Ela é casada com o também jornalista Vladimir Netto, autor de um best-seller cujo lançamento Sergio Moro foi prestigiar: um “livro-reportagem” que “se debruça” sobre o trabalho de Moro como juiz da Lava Jato, seu “vasto conhecimento técnico, as perguntas meticulosas, as sentenças fundamentadas e a coragem de enfrentar a pressão de advogados de renome”.

Três dias depois, no dia 12, o coordenador da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República, José Alfredo de Paula Silva, pediu exoneração do cargo, por “motivos pessoais”, poucos dias antes de a procura-geral da República, Raquel Dodge, reunir-se com Dallagnol e mais sete procuradores da força-tarefa do MPF em Curitiba para prestar-lhes “apoio institucional” diante das revelações da Vaza Jato.

São os fatos, como é fato que a Polícia Federal prendeu quatro jovens na terça-feira, em São Paulo, no âmbito da operação “spoofing”. Sobre esta ou aquela interpretação que se faz deles, cada um é livre para escolher qual.

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