Um inimigo silencioso: depressão pós-parto

No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre com depressão pós-parto. Desconhecimento sobre sintomas causa confusão com outros distúrbios

Um inimigo silencioso: depressão pós-parto
Além da depressão pós-parto, ainda existem a melancolia da maternidade e psicose puerperal (Foto: Pixabay)

por Henrique Schmidt

“Eu não sentia amor nenhum pela minha filha, eu tinha medo de ficar com ela, eu tinha pânico de ficar sozinha com ela”, conta a influenciadora digital Rosa Filipovic, de 26 anos, sobre a sua experiência com a depressão pós-parto. Mãe da pequena Sophia, de cinco anos, e da bebê Emily, a brasileira, erradicada na Alemanha, enfrentou o transtorno em sua primeira gravidez.

Jovem, com apenas 21 anos, ela deu à luz a Sophia. Mesmo contando com o apoio incondicional do marido e da mãe, e estando em boa saúde física, Rosa não conseguiu evitar os sintomas do transtorno. Com problemas financeiros, devido à falta de cobertura do seguro-saúde à gravidez, Rosa precisou desembolsar cerca de 10 mil euros para cobrir os custos com exames e parto, o que afetou a sua saúde mental.

“Toda a minha gravidez estava preocupada, pensando como eu ia pagar essa conta, e o meu marido também estava em uma crise financeira. Então, foi, realmente, uma gravidez ‘indesejada’, vamos dizer assim. Eu sentia isso. E minha segunda gravidez foi bastante diferente. Minha primeira gravidez foi bastante tranquila em relação a saúde da minha filha, à minha saúde também, só não à saúde mental. Tanto que, quando a minha filha nasceu, eu não senti nenhum amor por ela. Eu só consegui ter sentimento por ela, quando ela estava fazendo quase um ano de idade”, revelou em entrevista ao Opinião e Notícia.

A depressão pós-parto ocorre no momento em que a mulher começa a se vincular com o seu filho, um momento de vulnerabilidade emocional. De acordo com o Ministério da Saúde, o transtorno se caracteriza pela profunda tristeza, desespero e falta de esperança. Entre os sintomas encontram-se a perda de interesse, insônia, perda ou ganho de peso, excesso de sono, entre outros. Em relação à criança, o transtorno pode afetar seu desenvolvimento social, afetivo e cognitivo.

“Existe uma especificidade importante na depressão pós-parto em relação à depressão em outros momentos de vida, que é o fato de ser no início da vinculação mãe-bebê, um momento crítico para a mãe e para a criança. Nesse sentido, medicações e tratamentos que possam agir rapidamente na eliminação dos sintomas são super importantes, pois diminuiriam o tempo da mãe não estar disponível para se relacionar com seu bebê”, explicou a psicóloga Giana Frizzo, pós-graduada em psicologia e Coordenadora do Centro de Atendimento Pais-bebê, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao O&N.

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De acordo com a psicóloga, mulheres com histórico de depressão são mais suscetíveis a desenvolver um quadro de depressão pós-parto. No entanto, não é possível indicar uma causa para que o distúrbio se desenvolva, sendo considerada uma condição “multideterminada”. Inclusive, Frizzo explica que há relatos de que mães adotivas, ou seja, que não deram à luz, também apresentaram quadro semelhante ao de depressão pós-parto.

O tratamento da transtorno pode ser feito através de medicamentos, mas, segundo Frizzo, a psicoterapia também costuma ser indicada, visto que algumas mães têm receio de fazer uso de medicamentos. Apesar de não existir uma forma definitiva de prevenção, a psicóloga classifica como “importantíssimo” que mulheres que já apresentaram quadros de depressão sejam acompanhadas por profissionais de saúde mental durante e após a gestação.

“Podemos pensar em três grandes fatores de risco associados, além da vulnerabilidade biológica e hormonal: 1) A qualidade das relações interpessoais, incluído aqui o relacionamento conjugal e com a família toda; 2) condições sociais, incluindo aqui, por exemplo, vulnerabilidade socioeconômica; 3) questões específicas da gestação, como aceitação, desejabilidade, gestação de risco, etc”, explica Frizzo.

De acordo com o estudo Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: The Birth in Brazil National Research Study, no Brasil, uma em cada quatro mulheres apresenta sintomas de depressão pós-parto. A pesquisa entrevistou 23.896 mulheres e constatou que 26,3% delas apresentam os sintomas do transtorno.

Nos Estados Unidos, a incidência é menor. Segundo um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma em cada nove mulheres no país enfrenta sintomas do transtorno.

Já números mundiais, expostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelam que 10% das mulheres grávidas e 13% das que acabaram de dar à luz sofrem com algum distúrbio mental, principalmente depressão. No caso da incidência do transtorno após o parto, os dados mostram que cerca de 20% das mães em países em desenvolvimento sofrem com a depressão pós-parto.

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“Quanto à depressão ela ocorre em torno de 10-20% das puérperas [mulher que deu à luz recentemente]. Sua etiologia parece ser multideterminada, podendo ter influências genéticas, de estressores psicológicos, do contexto cultural e de mudanças fisiológicas no seu desenvolvimento e severidade. Alguns autores têm sugerido que, por vezes, os sintomas da depressão materna podem surgir em algum outro momento do primeiro ano de vida do bebê e não necessariamente nas primeiras semanas após o seu nascimento, embora ainda fortemente associados à maternidade”, apontou Frizzo.

Giana Frizzo explica ainda que existem dois transtornos principais no pós-parto, além da depressão. São eles: a melancolia da maternidade, também conhecida como baby blues, que pode atingir entre 70% e 90% das puérperas; e a psicose puerperal , que é “uma desordem psiquiátrica rara e grave”.

Os transtornos, porém, ainda fazem com que as pessoas se confundam. Dona de um canal no YouTube, Rosa Filipovic admite que nunca pensou ter depressão pós-parto. Isso porque, para a influenciadora digital, a depressão tinha sintomas mais extremos – que normalmente são encontrados na psicose puerperal.

“Eu sempre pensei que a depressão pós-parto era em relação a você tentar matar a criança. Eu tinha pessoas da minha família que trabalhavam em hospitais, um tio meu é médico, e ele falava que já viu casos de uma mãe, ainda na sala do hospital, que acabou de ter o bebê, e tentar matar o bebê já assim, algumas horas depois do nascimento do bebê. Então, eu sempre tive muito isso na minha cabeça, e eu nunca imaginei que eu fosse sofrer de depressão. […] Nós sempre achamos que vai acontecer com os outros, que qualquer pessoa pode passar por isso, até descobrir que acontece conosco, né?”, apontou Filipovic.

Agora, mais de cinco anos após o nascimento de sua primeira filha, Sophia, Filipovic ainda se mostra receosa pelo passado, pelo transtorno, pela falta de sentimentos por ela quando bebê. No entanto, tem a consciência de que tudo ficou no passado, não refletindo a realidade atual.

“Quando eu descobri que eu tive a depressão pós-parto na primeira gravidez eu fiquei um pouquinho receosa, doeu um pouquinho no coração ter pensado que eu rejeitei a minha primeira filha, e eu sempre me preocupei muito se um dia ela ia sentir isso, se um dia ela ia saber isso, que ela um dia já foi rejeitada por mim, mas eu acho que o amor que eu dou para ela hoje, vai superar qualquer barreira, qualquer coisa que aconteceu no passado”, conclui Filipovic.

Brasil pela saúde

Diante do quadro de aumento da depressão em todo o mundo e, consequentemente, os holofotes sobre o transtorno, o Congresso brasileiro começou a prestar mais atenção no assunto. Dessa forma, surgiram iniciativas para auxiliar as mulheres na luta contra a depressão pós-parto, como o projeto de lei (PL) 1704/2019, de autoria do deputado federal Julio Cesar Ribeiro (PRB-DF).

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O PL prevê a instituição da Política Nacional de Diagnóstico e Tratamento da Depressão Pós-Parto. Segundo o texto do projeto, os principais objetivos do PL são estimular a produção de estudos sobre o transtorno, promover e disseminar informações sobre o transtorno, garantir o atendimento domiciliar às mulheres que apresentarem sintomas, entre outras coisas.

“Uma política nesse sentido estimularia estudos sobre o tema. Ademais, promoveria a preparação dos profissionais envolvidos no acompanhamento da gestação e do parto não só para a investigação, durante o pré-natal, dos fatores de risco para o desenvolvimento da condição, mas também para o estímulo à participação da família e dos amigos nesse momento tão delicado. Adicionalmente, ensejaria a capacitação permanente quanto aos tratamentos possíveis da depressão pós-parto, inclusive dos casos mais graves. Com isso, reduziria, sensivelmente, a prevalência dessa condição no país”, justificou o parlamentar no texto.

Outros projetos, que também podem auxiliar as mães após dar à luz, também tramitam no Congresso, como é o caso do PL 130/2019, da deputada federal Renata Abreu (Pode-SP). A iniciativa prevê a ampliação da assistência psicológica a mães adolescentes para o período pré e pós-natal.

Já o PL 702/2015, de autoria do deputado Célio Oliveira (PSDB-GO), prevê a submissão de gestantes, no período pré-natal, a avaliações psicológicas para detectar a propensão de desenvolvimento da depressão pós-parto.

Nova esperança?

Em março, a Food and Drug Administration (FDA) – a Anvisa norte-americana – aprovou o medicamento Zulresso (brexanolona) para uso intravenoso. A droga está sendo considerada a primeira forma de tratamento, através de remédios, para a depressão pós-parto. Questionada se essa aprovação traz uma nova esperança para as mulheres que sofrem ou temem sofrer com o transtorno, a psicóloga Giana Frizzo se mostrou positiva, mas pediu cautela.

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“Já li sobre isso, mas ainda está em fase de testes e é para um público ainda restrito, de mães com depressão moderada a grave, ainda bastante caro e com vários efeitos colaterais importantes. Mais estudos são necessários a fim de esclarecer sua real efetividade e indicação. Sem dúvida, medicações que possam  auxiliar as mães em sua recuperação são necessárias e extremamente bem-vindas, pois depressões mais graves precisam de tratamentos rápidos (ainda até então inexistentes), mas também multiprofissionais”, destacou Frizzo.

Por fim, relembrou que a depressão pós-parto, ao longo do primeiro ano de vida da criança, tende a ser leve – apesar de também poder levar prejuízo à vida da nova mãe. Pelos poucos sintomas, porém, muitos casos não são diagnosticados, evoluindo para quadros mais severos.

“Quanto mais opções de tratamento estiverem disponíveis, melhor para a saúde mental das mães e para seus bebês e famílias”, concluiu Frizzo.

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