VERBAS PELO RALO

Dinheiro de emenda apresentada pelo secretário de Previdência aparece na conta de primo e explicita descontrole na fiscalização

ILUSTRAÇÃO DE PAULA CARDOSO
ALLAN DE ABREU E DINARTE ASSUNÇÃO

Osecretário especial de Previdência do governo federal, Rogério Simonetti Marinho, assumiu o cargo no início do ano com o desafio de propor e implementar uma reforma no sistema de aposentadorias brasileiras que leve a uma economia de 1 trilhão de reais aos cofres públicos no período de dez anos. Mas, nas duas últimas semanas, uma cifra infinitamente menor tem tirado o sono do ex-deputado federal potiguar: 41,2 mil reais, oriundos de uma emenda parlamentar de Marinho, foram parar na conta de um primo dele, correligionário tucano. O caminho do dinheiro foi reconstituído em uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal que resultou na prisão de um empresário e na apreensão, no fim de março, de uma mala com 265 mil reais em espécie na casa de Ruy Aranha Marinho Júnior, primo de Rogério Marinho.

Na verdade, dos 270 mil da emenda de Rogério Marinho, só se sabe o que aconteceu com os 41 mil reais depositados na conta do primo.  O restante da verba jamais serviu para o que seria o objetivo da emenda: a compra de material médico-hospitalar, em 2016, para o município de Touros, cidade turística de 33 mil habitantes no litoral do Rio Grande do Norte.

O material jamais foi comprado.

O caso de Touros é apenas um exemplo da fragilidade das ferramentas do poder público para acompanhar o destino final das fatias do Orçamento destinadas pelos deputados às suas bases eleitorais. Pelo Portal da Transparência ou pelo Siafi, sistema de acompanhamento dos gastos do poder público federal, só é possível rastrear o dinheiro dessas emendas até os cofres do município. “Depois disso, infelizmente, é impossível saber por essas ferramentas”, diz o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, que fiscaliza o gasto público. O Orçamento da União deste ano prevê 13,7 bilhões de reais para emendas parlamentares. No início deste mês, o Senado aprovou uma proposta de emenda constitucional para implantar o Orçamento impositivo, que obriga o governo federal a pagar todas as emendas de deputados e senadores. Atualmente, a PEC tramita na Câmara.

Quando assumiu o comando da prefeitura de Touros, em janeiro de 2017, Francisco de Assis Pinheiro de Andrade, do PP, determinou uma auditoria na Secretaria de Saúde do município, foco de grave crise no fim do ano anterior, quando a falta de medicamentos e insumos, além de atraso no pagamento dos salários, desaguou em uma greve dos servidores do setor.

Iniciada para apurar outros desvios, a investigação acabou chegando à emenda de Marinho. Constatou que a prefeitura repassou 270 mil reais, dinheiro da emenda, à empresa Artmed Comercial em novembro e dezembro de 2016, na gestão do prefeito anterior, Ney Rocha Leite, do PSD, para a compra de luvas cirúrgicas, gaze, agulhas, seringas, filmes para raio x e outros equipamentos médico-hospitalares, em um total de 244 597 itens. Os produtos, porém, não estavam nas prateleiras do hospital municipal, administrado pela tia de Leite. Como o hospital ficou fechado por mais de sessenta dias no fim de 2016 devido à crise financeira, não havia demanda para o uso daqueles insumos. Além disso, não houve licitação para a contratação da Artmed, cujo dono, Gabriel Dellane Marinho (sem parentesco direto com o ex-deputado tucano) já fora condenado pela Justiça por fraude em licitação, em outro caso.

A Prefeitura de Touros repassou a informação para o Ministério Público Federal, que determinou abertura de inquérito pela Polícia Federal. A quebra do sigilo bancário da Artmed e do seu dono revelou que, entre os dias 9 e 16 de janeiro de 2017, duas semanas após receber da prefeitura a última parcela da emenda do então deputado federal Rogério Marinho, o dono da Artmed repassou três cheques, no valor total de 41,2 mil, para a conta de Ruy Aranha Marinho Júnior, primo do atual secretário de Previdência e, como esse último, filiado ao PSDB. Marinho Júnior foi também doador em duas campanhas do primo tucano: a primeira em 2006, quando foi eleito pela primeira vez deputado federal e em 2012, quando perdeu a disputa pela Prefeitura de Natal. Juntas, as doações somam 6,8 mil em valores corrigidos. No ano passado, após três mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, Rogério Marinho não foi reeleito.

No documento em que solicita ao Juízo da 15ª Vara Federal do Rio Grande do Norte a deflagração da operação, batizada de Tiro, o procurador Felipe Valente Siman escreve que a informação de que o dinheiro da emenda do então deputado foi parar na conta do primo dele “é curiosa e robustece as suspeitas sobre as transações”. Apesar disso, Rogério Marinho não é formalmente investigado na operação. Entre 2016 e 2018, o tucano propôs 86 emendas parlamentares destinando recursos da União a municípios potiguares e ao estado do Rio Grande do Norte. Dessas emendas, 25 foram pagas, em um total de 19 milhões de reais. De acordo com a assessoria da Controladoria-Geral da União, CGU, que também participou das investigações, apenas a emenda para o hospital de Touros foi alvo da operação. Procurado pela piauí, o procurador Siman não quis se manifestar.

No dia 28 de março, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca em endereços ligados ao ex-prefeito e ao primo de Rogério Marinho – em um deles, foi encontrada mala com 265 mil em dinheiro vivo – e prendeu preventivamente o dono da Artmed. Entretanto, na terça-feira, 9, Gabriel Marinho foi solto graças a um habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O advogado do empresário não quis se manifestar.

Em nota, a assessoria de Rogério Marinho disse desconhecer a investigação do MPF. “Nunca fui chamado a prestar nenhum esclarecimento, nem teria o que esclarecer, pois, depois da destinação da emenda (que ocorreu a pedido dos vereadores de Touros), cabe ao município a execução de seu objeto.” O atual secretário de Previdência negou manter relações com o primo. A defesa do ex-prefeito Ney Rocha Leite, que desistiu de disputar a reeleição em 2016, disse que a Prefeitura de Touros “pegou carona” numa licitação de outro município potiguar para contratar a Artmed e que a empresa entregou os insumos contratados. O advogado de Ruy Aranha Marinho disse à piauí que seu cliente “jamais esteve envolvido em qualquer organização criminosa”.

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