A conta que Maduro não pode dividir com ninguém

Arrogância, autoritarismo, demagogia. O saldo, ou o déficit, é que mais uma vez o destino de um país sul-americano foi decidido mais ao norte

A conta que Maduro não pode dividir com ninguém
Maduro não logrou debelar a imensa crise que assola seu país (Foto: Kremlin.ru)
Quando um ex-presidente da Venezuela morreu em Nova Iorque no dia 28 de setembro de 1981, o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, fez-lhe uma homenagem, dizendo que, “embora primeiro e acima de tudo um patriota venezuelano, Romulo Betancourt foi um amigo especialmente próximo dos EUA”.

Romulo e Ronald tinham em comum o fervor anticomunista. Sobre sua experiência na juventude como militante do Partido Comunista da Costa Rica, Betancourt diria mais tarde que foi como “um ataque de varíola” que o deixou “imune à doença”.

Nicolás Maduro tinha dois anos de idade quando, no dia 17 de outubro de 1965, o dirigente comunista e oposicionista Alberto Lovera foi sequestrado por agentes da Dirección General de Policía (Digepol)?—?rescaldo da Seguridad Nacional do ditador Marcos Pérez Jiménez?—?nas proximidades da Praça Três Graças, hoje conhecido ponto de concentração de opositores do chavismo em Caracas.

Lovera foi encontrado morto dez dias depois em uma praia na cidade de Lecheria, a 320 quilômetros da capital, trucidado após uma semana e meia de torturas nas mãos do Estado então chefiado por outro presidente da Venezuela que morreria em Nova Iorque, Raul Leoni, amigo de toda a vida, correligionário no partido Ação Democrática e sucessor do assim chamado “pai da Democracia venezuelana”: Romulo Betancourt.

O Ação Democrática integra hoje a coalização oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), onde sentam-se Henrique Capriles, Antonio Ledezma e Leopoldo Lopez, até anteontem as figuras mais conhecidas da oposição venezuelana. É na MUD que se senta também Juan Guaidó, a figura mais conhecida, hoje, dessa oposição.

A MUD é a coligação, também, de Henry Ramos Allup, que em janeiro de 2016 assumiu a presidência da Assembleia Nacional da Venezuela prometendo derrubar em seis meses o presidente da República Bolivariana da Venezuela. O que, afinal, não rolou.

Não foi Allup, porém, mas sim Maduro, o destinatário de um pito dado naquela feita pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América: “Continuamos pedindo para que seja respeitada a vontade popular e a separação de poderes no processo democrático”. Sobre a eleição de Trump, Allup pronunciou-se à moda Donald, via Twitter, ainda que em bom e claro castelhano: “El pueblo norteamericano eligió libremente al presidente que quiso y eso hay que respetar”.

A conta

Foi também naquele ano de 1965 que um grande democrata brasileiro escreveu sobre como o processo evolutivo fez o homem compreender a diferença entre os aspectos imediatos da realidade e seus nexos que não se mostram imediatamente, aqueles que vêm à luz tão somente pela via do esforço de raciocínio.

Afora quaisquer considerações sobre a validade, na dura prática, dessa afirmação; afora a diferença entre ajuda humanitária e “ajuda humanitária” da parte de um governo que nega os direitos humanos pela borda, cujo cabeça defende abertamente crimes contra a humanidade (como a tortura), e que minimiza a importância das ciências humanas na educação, em nome da “técnica”; afora tudo isso, não é por isso, evidentemente, que Maduro tem o sobrenome que tem (carrega-o desde a imaturidade, herdado de seu pai), embora o menino Nicolás dos anos 1960 tenha se feito homem tarimbado na vida como na política.

Maduro ou não na vida como na política, o presidente da República Bolivariana da Venezuela, se vem logrando, até o fechamento desse artigo, resistir aos esforços por sua derrubada, não logrou debelar a imensa crise que assola seu país, nem deu sinais nesse sentido.

Se a crise de abastecimento e a situação dramática das condições de vida de milhões de venezuelanos pode, em parte, em grande parte, ser posta na conta dos esforços pela desestabilização do chavismo – numa história infame e que se repete na crônica da geopolítica –, a demagogia, o autoritarismo, a arrogância do chavismo só podem ser postos na conta dele próprio, porque foi para o contrário disso que o povo da Venezuela o elegeu livremente também.

Arrogância, autoritarismo, demagogia. Na conta dessas três piores ideias vai, por exemplo, a ausência de esforços significativos para reduzir a dependência do país das receitas do petróleo, quando para isso o chavismo tinha todas as condições.

O saldo, ou o déficit, é que os informes que ressoam, que fazem a diferença, sobre o que se passa na Venezuela agora são dados, uma vez mais, desde Nova Iorque, onde Romulo Betancourt e Raul Leoni passaram seus últimos dias de vida; ou de Washington, onde tantas vezes já se resolveu sobre governos da América Latina que eles tinham os dias contados.

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