Escritor pernambucano desiste do A Letra e a Voz e publica protesto no Facebook

Escritor manifestou, na rede social, insatisfação contra cortes recentes nas pastas de cultura; outros escritores endossaram

Cristiano Ramos participaria de mesa nesta sexta-feira (28). Foto: Facebook/Reprodução
Cristiano Ramos participaria de mesa na sexta-feira . Foto: Facebook/Reprodução

Através de carta aberta, publicada no perfil do Facebook, o escritor Cristiano Ramos declarou que não participará do Festival A Letra e a Voz, que teve início nesta quarta-feira e seguiu até o domingo . Cristiano participaria,na sexta-feira de mesa sobre o escritor Ariano Suassuna, homenageado do festival.

A má conservação do Teatro do Parque, na semana do centenário do espaço, e o cancelamento do Festival Internacional de Poesia estariam entre as motivações. “Nenhum impedimento físico, mas moral, de espírito. Não me sinto em condições de compor esta justa homenagem a Ariano Suassuna. Não nesta semana que começou com centenário do Teatro do Parque a portas e cortinas fechadas, que seguiu com cancelamento do Festival Internacional de Poesia, e termina com a reverberação do anúncio de mais cortes terríveis de recursos”, declarou ele. Cristiano alegou ainda que, apesar da atual crise econômica, é inadmissível que as políticas culturais – “que já eram tocadas de forma precária” – sofram mais golpes.

Em entrevista ao Viver, Cristiano declarou que a maior parte da classe literária quer oferecer apoio aos que foram afetados pelos cortes nas pastas de cultura do estado. “Mas também acho que não sabem ainda qual melhor forma de agir. Uns fazem protestos, outros apoiam os que fazem os protestos, outros apenas se queixam nos bastidores. Mas acho que, em algum momento, a realidade nos chamará a uma tomada de posição mais ampla e firme”, disse.

A Secretaria de Cultura do Recife, organizadora do A Letra e a Voz, declarou à reportagem que tomou conhecimento da desistência de Cristiano há pouco, mas que respeita a decisão e, por enquanto, não se pronunciará sobre o assunto. Quanto a possíveis desistências de outros participantes, a Secult preferiu não comentar.

Alguns outros escritores endossaram a publicação de Ramos, manifestando apoio à decisão dele. “Só posso lhe cumprimentar pela atitude digna e cidadã. E fazer votos que o Governador do Estado, o Prefeito, os secretários de Cultura e outros gestores desta hora agônica (mas que não serve de desculpa para a incompetência e/ou indiferença de muitos, dentro e fora da Prefeitura e do Estado) possam aprender com você, Cristiano Ramos, nessa conduta admirável”, publicou o escritor Fernando Monteiro, que compartilhou a publicação de Cristiano no próprio perfil.

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CARTA ABERTA – DESISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO
NO FESTIVAL A LETRA E A VOZ

Caros, sinto dizer, mas não poderei participar nesta sexta-feira (28/08/15) do Festival A Letra e a Voz. Nenhum impedimento físico, mas moral, de espírito. Não me sinto em condições de compor esta justa homenagem a Ariano Suassuna. Não nesta semana que começou com centenário do Teatro do Parque a portas e cortinas fechadas, que seguiu com cancelamento do Festival Internacional de Poesia, e termina com a reverberação do anúncio de mais cortes terríveis de recursos. As pastas de cultura, onde os abnegados, gente realmente apaixonada, já trabalhavam com migalhas, agora descobrem que será sequestrada quase metade das verbas que já era constrangedor receber.

O próprio A letra e a Voz é corpo-mutilado-presente deste drama, sendo realizado heroicamente, com dramática redução de meios. Por isso, pela batalha dos curadores, produtores e demais envolvidos-não-políticos é que pensei em comparecer, mas sei que desempenharia mal o papel de mediador, e que talvez fosse deselegante, comentando esta crise lá, no evento.

Espero que entendam minha postura, até porque acredito que, sem essa pressão “de fora”, vocês ficam sem moeda alguma para tentar convencer os políticos, aqueles que realmente (des)mandam, que é preciso tratar a política cultural com mais respeito. Sem essa pressão exterior, vocês se tornam ainda mais invisíveis dentro dos gabinetes, até não terem qualquer espaço para atuar, ou serem brutalmente dispensados.

Sim, há crise econômica. Mas, para a cultura, para educação e para a saúde, ela começou há muito tempo. É inadmissível que as políticas culturais, que já eram tocadas de forma precária, recebam facadas como em nenhum outro setor. Ferimentos já de quase-morte! Nas duas gestões do PSB, a municipal e a estadual, temos bens históricos e projetos sendo mal tratados ou mesmo abandonados, eventos cancelados, gerências de linguagens às vésperas de extinção, salários atrasados, anúncios de cortes de recursos ainda mais constrangedores… Tudo isso enquanto os governos seguem gastando fortunas com “shows culturais”, propaganda política, manutenção de gabinetes dos figurões, áreas de interesse dos doadores de campanha etc.

Jamais faltei a um compromisso dessa maneira, voluntária. Mas, para além deste, creio que há comprometimento ético que cobra tal atitude. Espero sinceramente que os amigos compreendam, embora esteja preparado para eventuais desgastes afetivos ou fechamento de portas. Porém, suspeito que, se não fizermos algo, sequer existirão portas a serem fechadas, porque nenhum lugar ainda se sustentará para aquelas paixões que nos movem.

Grato pela compreensão,
Cristiano Ramos.

Viver – Diario de Pernambuco

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