Eleições 2018: não votar pode dar armas a quem?

Com Lula ou sem Lula candidato, intenção de não votar na próxima eleição é muito maior do que às vésperas da eleição de 2014

Eleições 2018: não votar pode dar armas a quem?
Pesquisas apontam índices recordes de votos brancos e nulos (Foto: brasil.gov)

Há exatamente um ano este Opinião e Notícia publicava um artigo intitulado “Brasil: o fantasma do ‘Boi-Cote’ ronda as eleições”, no qual chamávamos atenção para o índice de não votos no segundo turno da eleição suplementar que aconteceu em agosto de 2017 no Amazonas, para governador do estado, após a cassação dos mandatos do governador eleito em 2014, José Melo (PROS), e do seu vice, Henrique Oliveira, por compra de votos.

Naquela feita, um ano atrás, a soma dos votos brancos e nulos com as abstenções por pouco não bateu em 50% dos eleitores do estado do Amazonas aptos para votar. Quase 1 milhão de amazonenses não se interessaram por escolher entre Amazonino Mendes (PDT) e Eduardo Braga (PMDB).

O pedetista acabou eleito, mas nem ele, nem o candidato derrotado tiveram votação superior ao do grande “vencedor” daquele pleito, a quem a Folha de S.Paulo, na época, e em editorial, chamou de “Desencanto Amazônico”, mas que parece vir forte também agora, para a eleição presidencial, e sob o nome com que tem sido mais chamado Brasil afora: o chamado “Boi-Cote”.

Amazonino Mendes é hoje o governador do Amazonas, legitimamente eleito, mas sempre haverá alguém pronto para dizer que nem tanto, porque venceu a eleição amealhando menos de 800 mil votos, enquanto o “Boi-Cote” digamos que conquistou a preferência de exatos 1.016.635 eleitores.

O mesmo aconteceu neste ano, no último mês de junho, na eleição suplementar dessa vez no Tocantins. O mesmo, não: nem que o vencedor da eleição extraordinária para governador do estado, Mauro Carlesse (PHS), juntasse os votos que recebeu aos do seu adversário no segundo turno, Vicentinho Alves (PR), nem assim, com uma “candidatura única”, por assim dizer, o total da votação em um ou outro superaria o número de não-votos: 490.461 contra 527.868.

Cenários, brancos e nulos

Se na eleição suplementar de um ano atrás no Amazonas o índice de não votos ficou um pouco abaixo dos 50%, na eleição suplementar de há dois meses no Tocantins ele ficou um pouco acima, em 51,83% dos eleitores.

Nas eleições de 2014, quatro políticos se tornaram governadores recebendo menos votos do que a soma dos brancos e nulos com as abstenções. Foi o caso do Rio de Janeiro, onde Luiz Fernando Pezão foi o escolhido por 3.242.513 eleitores, mas onde 4.142.231 escolheram escolher ninguém. Dois anos depois, na eleição para prefeito da capital fluminense, o “Boi-Cote” também “derrotou” Marcelo Crivella, em um segundo turno no qual, de resto, o candidato de fato derrotado, Marcelo Freixo, foi “ultrapassado” pelo número de abstenções.

A mais recente pesquisa Ibope com abrangência nacional de intenções de voto para presidente da República mostrou que, em cenário com Lula candidato, a intenção de votar branco ou nulo, 22%, supera, e muito, a intenção de votar em Jair Bolsonaro, segundo candidato melhor colocado, com 15%. O não voto seria superado apenas pelo próprio nome de Lula, que aparece com 33%. Em cenário sem Lula, Jair Bolsonaro seria o candidato melhor votado no primeiro turno, com 17%, mas seria superado, e muito, pela soma dos brancos e nulos, que dispararia para 33% (mesmo índice de Lula no cenário anterior).

A mais recente pesquisa Ibope de intenções de voto para presidente da República entre o eleitorado do estado mais rico do Brasil, São Paulo, mostrou algo semelhante. No “Cenário 1” (com Lula candidato) a intenção de votar branco ou nulo empata com Jair Bolsonaro em segundo lugar, com 18%, sendo superada apenas pelo nome de Lula, que aparece com 23%. No “Cenário 2”, sem Lula, ganharia em São Paulo o ex-governador Geraldo Alckmin, com 19%, mas não ganharia dos brancos e nulos, que nesse cenário seriam 23% (mesmo índice de Lula no “Cenário 1”). Vinte e três por cento dos paulistas votando assim, ou melhor, não votando, na eleição presidencial que se avizinha, com o detalhe agravante de que pesquisas de opinião não informam sobre abstenções.

Nesta quarta-feira, 8, foi divulgada uma nova pesquisa, CNT/MDA, mostrando também as intenções de voto do eleitorado paulista para presidente da República. Com Lula no páreo e com 21,8% das intenções de voto, brancos e nulos são 17%. Bolsonaro aparece com 18,4% e Alckmin com 14%. No cenário sem Lula, brancos e nulos são 22%. “Atrás” vêm Bolsonaro (18,9%), Alckmin (15%), Marina Silva (8,4%) e Fernando Haddad (8,3%). A pesquisa foi feita entre os dias 2 e 5 de agosto, portanto antes da unção oficial do nome de Haddad como o “plano B” de Lula.

Em 2014, nessa mesma altura do campeonato, uma pesquisa Ibope feita naquelas vésperas eleitorais mostrava a intenção de 13% dos eleitores brasileiros de votarem branco ou nulo. O índice não “ameaçava”, como agora, nem o primeiro, nem o segundo colocados na pesquisa, quem eram Dilma Rousseff, com 38%, e Aécio Neves, com 23%.

Como termina a democracia

No primeiro turno da eleição de 2014, 9,64% dos eleitores acabaram votando nulo ou em branco ao invés de escolher um candidato à presidência da República, ou apenas 3,36 pontos percentuais a menos do que indicava a pesquisa do início de agosto daquele ano. Somado às pessoas aptas para votar, mas que nem se deram ao trabalho de aparecer em suas respectivas seções eleitorais, o índice de não voto foi de 29,03%, o maior desde o processo eleitoral que resultou na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Há poucos meses Nicolás Maduro foi reeleito presidente da Venezuela, onde o voto não é obrigatório, em eleições cujo resultado foi posto em xeque pela oposição por causa de denúncias de fraude, mas por causa também de um índice de abstenção para lá de amazônico, de 54%, causado em parte pelo boicote ao pleito convocado pela própria oposição.

Em livro publicado recentemente, de sugestivo nome How Democracy Ends, David Runciman, professor da Universidade de Cambridge, sustenta que a maior ameaça que paira sobre as democracias ocidentais não é exatamente que grupos e figuras que negam pela borda alguns dos mais fundamentais preceitos dela, a democracia, vençam eleições, mas que comecem a contestar, com eco na sociedade, os resultados eleitorais que lhes sejam adversos.

No Brasil, onde a contestação do resultado da última eleição presidencial pela oposição da época foi uma espécie de pólvora para o processo político-jurídico que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, neste Brasil, um candidato que em quase todos os cenários perde para o “Boi-Cote” desde já coloca as urnas eletrônicas sob suspeição, caso elas apontem, em outubro, algo diferente de sua própria vitória. Não passa de mito, sem trocadilho, o ronrom de que mais de 50% de votos nulos pode anular uma eleição no Brasil, mas um massivo índice de não votos poderá dar armas ao capitão. Tendo em vista o estado dos ânimos, talvez literalmente.

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