LITERATURA – NOTURNO – FAGUNDES VARELLA

FAGUNDES VARELLA

NOTURNO

Minh’alma é como um deserto

Por onde romeiro incerto

Procura uma sombra em vão;

É como a ilha maldita

Que sobre as vagas palpita

Queimada por um vulcão!

Minh’alma é como a serpente

Que se torce ébria e demente

De vivas chamas no meio;

É como a doida que dança

Sem mesmo guardar lembrança

Do cancro que rói-lhe o seio!

Minh’alma é como o rochedo

Donde o abutre e o corvo tredo

Motejam dos vendavais;

Coberto de atros matizes,

Lavrado das cicatrizes

Do raio, nos temporais!

Nem uma luz de esperança,

Nem um sopro de bonança

Na fronte sinto passar!

Os invernos me despiram,

E as ilusões que fugiram

Nunca mais hão de voltar!

Tombam as selvas frondosas,

Cantam as aves mimosas

As nênias da viuvez;

Tudo, tudo, vai finando,

Mas eu pergunto chorando:

Quando será minha vez?

No véu etéreo os planetas,

No casulo as borboletas

Gozam da calma final;

Porém meus olhos cansados

São, a mirar, condenados

Dos seres o funeral!

Quero morrer! Este mundo

Com seu sarcasmo profundo

Manchou-me de lodo e fel!

Minha esperança esvaiu-se,

Meu talento consumiu-se

Dos martírios ao tropel!

Quero morrer! Não é crime

O fardo que me comprime

Dos ombros lançá-lo ao chão;

Do pó desprender-me rindo

E, as asas brancas abrindo,

Perder-me pela amplidão!

Vem, oh! morte! A turba imunda

Em sua ilusão profunda

Te odeia, te calunia,

Pobre noiva tão formosa

Que nos espera amorosa

No termo da romaria!

Virgens, anjos e crianças,

Coroadas de esperanças,

Dobram a fronte a teus pés!

Os vivos vão repousando!

E tu me deixas chorando!

Quando virá minha vez?

Minh’alma é como um deserto

Por onde o romeiro incerto

Procura uma sombra em vão;

É como a ilha maldita

Que sobre as vagas palpita

Queimada por um vulcão!

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