Marielle: um atentado contra a liberdade e a democracia

Estadão

Não bastasse episódios de cunho racista, xenófobo e misógino que se alastram em diferentes ambientes no país e no mundo, não bastasse a repugnante repressão a professores em greve na cidade de São Paulo ainda ontem, na mesma noite de ontem, a vereadora do PSOL Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes – seu motorista – foram brutalmente assassinados numa cena típica de execução.

Marielle desenvolvia uma luta implacável pela defesa dos direitos em comunidades pobres do Rio de Janeiro e denunciava a violência policial, além de mobilizar ações voltadas para inclusão social com foco nas questões raciais e de minorias. Representava, de fato, a tentativa de se construir uma nova política em nosso país. Sua execução sumária, um verdadeiro ato de terrorismo político, representa um ponto crítico e de atenção para a democracia brasileira.

Em primeiro lugar, o Brasil parece caminhar a passos largos repetir aquilo que aconteceu no México e na Colômbia. Seguindo a trilha destes dois países, o poder de facções criminosas, em especial de narcotraficantes, assim como a falta de credibilidade das forças de segurança que decorre, dentre outros fatores, de atos de sua violência contra a população mais pobre e corrupção de parte de seus membros, está conduzindo o Brasil para uma crise institucional de proporções ainda imprevisíveis. Soma-se a isso o desprestígio social tanto do Executivo como do Legislativo, envoltos em escândalos de corrupção, além da desconfiança sobre o sistema de justiça. O Rio de Janeiro parecer ser apenas a antessala de uma desestabilização institucional que pode se alastrar pelo país.

No caso específico do Rio de Janeiro, a execução de Marielle é uma afronta ao interventor federal. Assassinar alguém com essa trajetória política tão representativa das demandas dos mais pobres e das minorias é desafiar a capacidade do General e do Governo Federal de diminuir a sensação de insegurança Pública naquele estado. Trata-se de uma ação que pode minar a credibilidade do Estado brasileiro de enfrentar o crime organizado no momento em que tal questão ganhou centralidade na agenda governamental. Usando uma terminologia das ruas, é uma forma de “esculachar” a intervenção, as polícias, o Exército e, acima de tudo, os próprios cariocas.

A execução de Mariella e Anderson mostra a urgência de empreender ainda mais fortemente a luta cotidiana contra a retórica e a ação daqueles que defendem a barbárie como solução para os nossos problemas. Defender a ideia de que “bandido bom é bandido morto” apenas serve para colocar a vida de policiais e de pessoas das periferias diariamente em risco e não resolve nenhum de nossos dramas sociais. O caminho da violência que estamos trilhando até aqui já mostrou que ações descoordenadas, desorganizadas e sem inteligência, pautadas unicamente na força, servem apenas para reforçar o poder dos criminosos. Isso porque quem melhor opera orientado pela lógica da violência é o crime e o poder paralelo, não o Estado. As mudanças somente vão acontecer quando aqueles que acreditam na democracia e nos direitos deixarem de se dividir e se digladiarem por seus projetos de poder e somar forças pressionando os poderes do Estado para que atuem com inteligência e em nome do direito à vida de todos os segmentos que formam a sua população.

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