As críticas à situação do país passam das ruas aos sambódromos, com enredos que atacam diretamente figuras políticas e medidas do Governo
MARÍA MARTÍN – TALITA BEDINELLI – EL PAÍS
A crise política brasileira não deu trégua neste Carnaval. Não apenas na rua, como era mais comum nos outros anos, mas também nos sambódromos do Rio e de São Paulo. As escolas de samba levaram para a avenida neste ano críticas sociais contundentes e muito diretas. O caso mais marcante foi o da Paraíso do Tuiuti, agremiação nascida no morro de mesmo nome, em São Cristovão, no Rio, que surpreendeu o público durante o desfile de domingo à noite e conseguiu enorme repercussão nas redes sociais. Com o samba enredo Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? a escola criticou as condições de trabalho no país e, de quebra, o atual Governo, responsável pela reforma trabalhista aprovada no ano passado.
Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da escola, explica ao EL PAÍS que o enredo foi escolhido por concurso. “O objetivo era tratar da exploração do homem pelo homem. Não só da escravidão negreira, mas dessa exploração que se estende por séculos, passando pelos egípcios, celtas, romanos e que continua nos dias atuais. Fazer uma pessoa trabalhar uma jornada de 12 horas, como as costureiras, por um salário às vezes abaixo do mínimo e com direitos mitigados, é perpetuar esse sistema”, diz.
“Como falávamos da exploração do homem pelo homem queríamos incluir a mitigação dos direitos sociais. Através dos patinhos você representa uma situação anterior na qual os direitos eram bem protegidos e a partir do momento em que uma nova ordem política toma o país você tem novas reformas que, na ótica da escola, tiram direitos sociais de uma parcela da população. A escola quis questionar se quem pediu essa mudança não é também vítima. Essa pessoa que foi para a rua não tem esses direitos cortados também?”, explicou Monteiro.
Mais críticas
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Paraíso do Tuiuti fala de escravidão, reforma da Previdência, tem presidente vampiro e ala de manifestantes fantoches. Mangueira transforma desfile em protesto contra Crivella
A Mangueira também trouxe, nesta primeira noite de desfiles do Grupo Especial carioca, uma crítica direta ao atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu representado em um dos carros alegóricos como um boneco de Judas, do tipo que é malhado no Sábado de Aleluia. O boneco do político evangélico era acompanhado da frase: “Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval”. A escola fazia críticas ao corte, por parte da Prefeitura, da metade da verba destinada às escolas de samba e tinha como enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”. A Beija-Flor, que desfila na noite desta segunda, também trará um Carnaval político para a Sapucaí. Com o enredo Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu deve abordar o descaso com crianças e adolescentes pobres, fazendo uma conexão com a corrupção. Em São Paulo, também houve crítica política, com a volta da X-9 Paulistana ao Grupo Especial, no sábado —o carro A Casa da Mãe Joana trouxe políticos, alguns com a faixa presidencial, e juízes representados sujos de lama e com malas de dinheiro e notas na cueca.
Leonardo Bruno, colunista do jornal Extra e jurado do Estandarte de Ouro, prêmio extraoficial do Carnaval do Rio, acredita que as escolas de samba nunca tiveram muito esse papel de serem tão criticas à sociedade, algo, para ele, mais incorporado pelo Carnaval de rua. “As escolas sempre tiveram uma característica diferente, tanto é que o samba enredo é considerado uma música de gênero épico, que narra os grandes acontecimentos, as grandes conquistas, as grandes realizações”, destaca ele. “Agora, por outro lado, o que a gente observa é que nos momentos de maior convulsão, quando a sociedade está mais necessitada de dar um grito contra alguma coisa, elas aparecem representando esse papel de crítica social e política”, acredita ele.
Ele destaca que isso foi visto em outros dois momentos na história das escolas. Um, na virada dos anos 60 para 70, auge da ditadura militar no Brasil. Três enredos marcantes, nesta ocasião, falavam sobre a liberdade. O primeiro, em 1967, quando a Salgueiro desfilou A história da liberdade no Brasil. Dois anos depois, em 1969, a Império Serrano falou sobre os Heróis da Liberdade. E, no Carnaval de 1972, a Vila Isabel levou o enredo Onde o Brasil aprendeu a liberdade. Era um momento em que a censura estava no auge e as escolas deram vazão a esse grito represado pela liberdade.