O que pensar da imensa arte de Rodin, Picasso e Toulouse-Lautrec depois de ver um jornalista brasileiro declarar no Facebook que detesta Rodin, Picasso e Toulouse-Lautrec, além de pizza massa fina, cartilagem de frango, calor, salada, fumaça de cigarro e outras coisinhas mais?
Por Sheila Leirner
O surpreendente post que vários “curtiram” e comentaram de maneira mais surpreendente ainda, me lembrou um caso e inspirou um aforismo.
Há 16 anos fui visitar, e escrevi uma crítica sobre, a exposição do centenário de Jean Dubuffet, um dos grandes artistas franceses do século 20, no Centro Pompidou. Como na época os jornais tinham mais espaço, o texto explicava tudo com pormenores. Dizia, por exemplo, que “apesar de Dubuffet não ser nenhum Picasso, a sua obra continua como uma fonte preciosa de referência às mais novas gerações que optaram pelo caminho pictórico da expressividade, espontaneidade e prazer.”
Contei que o que se via, na exposição, “em ordem estritamente cronológica – e no respeito absoluto à trajetória de Dubuffet, suas séries, voltas e descobertas – era uma grande fidelidade à opulência, truculência e júbilo do artista. Pois este, um pouco como Picasso, não cessou de mexer, romper, relançar, esgotar, indo do mais erudito ao mais caótico, do terra-a-terra ao metafísico, da matéria à visão cósmica, da figuração à abstração. A sua obra tirava partido da sua própria vida e dos acidentes de trabalho. Se inscrevia entre a cidade e o campo, o volume e o grafismo, a cor e a não-cor, o movimento e o estático, a casualidade e as contingências do momento.”
“Afinal”, escrevi entre muitas outras coisas, “os artistas são personalidades contraditórias, constantemente em conflito consigo mesmos…”
No mesmo domingo em que a matéria saiu no Caderno 2, recebi a visita de um casal de amigos e ele logo foi perguntando qual era a minha opinião sobre o trabalho de Dubuffet.
É importante saber se gosto ou não gosto da obra?
– “Você leu o meu artigo hoje?”
– “Li, sim. Por isso, estou perguntando”.
– “Já não basta o que escrevi sobre a obra dele?” respondi, rindo.
– “Entendi perfeitamente, mas gostaria de saber o que você pensa sobre ela”.
– “E é importante saber se eu gosto ou não gosto da obra?”
– “Claro que é importante, crítica é isso”, disse ele.
– “Crítica não é opinião, é análise.”
– “OK, mas você gosta ou não gosta?” insistiu.
– “O meu gosto, fora você, não interessa a ninguém. E não me interessa tampouco. Em vez de me perguntar se gosto ou não, me indago o quanto e de que maneira a obra me toca – o que não é a mesma coisa.”
– “E o gosto das outras pessoas, te interessa?”
– “Menos ainda. Às vezes até me irrita quando ouço opiniões assertivas sem fundamento e sem dúvidas. Só os tolos fazem isso…”
– “Ah entendi. Do tipo ‘adooooro Fulano!’, ou “Sicrano é genial’, ou ainda ‘Grande mestre!”
– “Isso. Só me interessa o que eu e as pessoas somos capazes de apreender e depreender de uma obra.”
– “Começo a entender o seu ponto de vista…”
– “Que bom, porque eu ia justamente lhe dizer: não tenho opinião sobre a obra de Dubuffet.”
Até a próxima que agora é hoje e todos têm o direito de gostar ou não de um artista. Mas só os tolos pensam que a arte tem a ver com gostar ou não de um artista!