Renan: Lula não foi processado à falta de investigação

Folha de S.Paulo – Rubens Valente

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia “saído”, ou seja, não processado no caso do mensalão porque os pagamentos ao marqueteiro Duda Mendonça no exterior não foram investigados a fundo quando vieram a público, em 2005.

A declaração foi feita em uma das conversas mantidas em março passado com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que gravou diálogos e os entregou ao Ministério Público Federal.

Em 2005, Duda, que havia trabalhado na vitoriosa campanha de Lula em 2002, reconheceu, em depoimento prestado à CPI dos Correios, que havia recebido no exterior cerca de R$ 10 milhões em esquema de caixa dois. Na época, Duda afirmou que o dinheiro havia sido transferido pelo publicitário mineiro Marcos Valério Souza, pivô do escândalo do mensalão.

Na conversa com Machado, ocorrida em março passado, que foi gravada como parte de um acordo de delação premiada de Machado com a PGR (Procuradoria-Geral da República), Renan procurou explicar “por que o Lula saiu”: “O Duda fez a delação, e disse que recebeu o dinheiro fora. E ninguém nunca investigou quem pagou, né? Este é que foi o segredo”.

Na sequência da conversa, Machado afirma que, durante seu governo, Lula “não fez”, provável referência a não ter cometido irregularidades, porém “quando chegou no final do governo botou na real”. “Caiu na real”, concordou Renan.

Segundo Machado, foram feitas “umas merdas, um sítio merda, um apartamento merda”, citações ao sítio de Atibaia (SP) frequentado por Lula e a um apartamento da Bancoop, cooperativa de bancários, construído pela OAS no Guarujá (SP).

“Apartamento bancário!”, ironizou Renan. “Duzentos metros quadrados, Renan. Quer dizer, foi uma cagada enorme”, disse Machado. Segundo ele, Lula, além de Sérgio Gabrielli e “uma turma”, “armaram” a criação da empresa Sete Brasil, empresa constituída em 2010, último ano do segundo governo de Lula, voltada para a construção de navios-sonda para exploração do pré-sal brasileiro.

No mesmo diálogo, Machado indagou a Renan se o advogado Eduardo Ferrão, defensor do senador, realmente tinha influência, se tinha “força”, sobre o ministro do STF Teori Zavascki, relator da Lava Jato no tribunal. Renan corrigiu: “Acesso. Nesse primeiro momento é o acesso”.

Não há indícios, nas gravações até aqui reveladas, de que Ferrão tenha de fato tentado influir o ministro Teori. Em outra conversa gravada, pelo contrário, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) diz que não tem acesso a Teori, que seria uma pessoa “fechada”.

Em diálogo revelado pela TV Globo, Machado e Renan tratam ainda da recondução de Rodrigo Janot ao cargo de procurador-geral da República. O senador diz que foi contra a recondução.

DILMA

Machado culpou a presidente agora afastada Dilma Rousseff pela crise política gerada pelas investigações.

“Ela [Dilma] foi louca, ela viu essa porra e achou que dava. Renan, se você está no governo e começa o incêndio, estando ou não no meio, você tem que apagar, tá dando merda. Não podemos deixar essa porra para baixo de jeito nenhum”, disse Machado.

O ex-dirigente disse que a empreiteira Odebrecht estava contrariada com Dilma. “O que está incomodando muito a Odebrecht, que eu soube, isso eu já soube, é que recebeu caixa dois no exterior em todos esses mercados que a Odebrecht apurava e o pessoal está puto com ela [Dilma]”, disse Machado.

Em diálogo revelado pelo “Jornal da Globo”, José Sarney afirmou a Sérgio Machado que Dilma teria “tratado diretamente sobre o pagamento” da Odebrecht para o marqueteiro João Santana.

Por isso, disse o ex-presidente, a Odebrecht iria delatar: “Vão contar tudo. Vão livrar a cara do Lula. E vão pegar a Dilma.”

OUTRO LADO

Em nota, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) reiterou que “não tomou nenhuma iniciativa ou fez gestões para dificultar ou obstruir as investigações da operação Lava Jato, até porque elas são intocáveis e, por essa razão, não adianta o desespero de nenhum delator”.

A nota não tratou das perguntas da Folha sobre os comentários de Renan acerca do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli rebateu a ideia de que a Sete Brasil tenha sido um erro. “A empresa foi criada para viabilizar a construção de sondas no Brasil, coisa extremamente importante para o pré-sal brasileiro. O projeto é correto. Os problemas que ocorreram foram decorrentes de dificuldades de financiamento do BNDES e de algumas fontes, nada de coisas clandestinas ou ilegais”, disse Gabrielli.

O ex-presidente da petroleira disse que participou das discussões sobre a criação da empresa porque a Petrobras era sócia minoritária e principal contratante da empresa. O então presidente Lula, segundo Gabrielli, participou das conversas na época “do ponto de vista da defesa do conteúdo nacional”.

Em nota, o advogado Eduardo Ferrão afirmou que “em nenhum momento” foi ” procurado por quem quer que seja para tratar do assunto ali mencionado. E mesmo que o fosse, rejeitaria veementemente solicitação de tal natureza”, ou seja, procurar o ministro do STF Teori Zavascki para defender a posição de Sérgio Machado.

Em nota nesta quinta-feira (26), a assessoria de Dilma Rousseff negou irregularidades em pagamentos ao publicitário João Santana e afirmou que “as tentativas de envolver” o nome da presidente afastada “em situações das quais ela nunca participou ou teve qualquer responsabilidade são escusas e direcionadas. E só se explicam em razão de interesses inconfessáveis”.

Procurado, o Instituto Lula afirmou, em nota: “Nenhum homem público brasileiro foi tão investigado quanto Lula em 40 anos de vida pública, sem que nada fosse encontrado contra ele. E nenhum outro foi tão caluniado quanto Lula, por todos os meios, até mesmo por essa abjeta autogravação, feita sob encomenda para difamar”.

Os advogados de Machado não foram localizados. Eles têm dito à imprensa que não se comentarão o assunto porque a delação está sob segredo de Justiça.

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