LEWANDOWSKI DEVOLVE VAGA A CARTORÁRIO QUE É RÉU EM VÁRIOS CRIMES

DECISÃO POLÊMICA

MAURÍCIO BORGES SAMPAIO É RÉU EM AÇÕES DE IMPROBIDADE E HOMICÍDIO

A DECISÃO CHAMOU A ATENÇÃO DE ADVOGADOS E MAGISTRADOS QUE ACOMPANHAM O CASO, PELO FATO DE SE TRATAR DE PERÍODO DE RECESSO DO JUDICIÁRIO FOTO: TÂNIA REGO/ ABR

Numa decisão considerada polêmica, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, concedeu, na noite da última quinta-feira (14), liminar que devolveu a um ex-cartorário, Maurício Borges Sampaio, réu em ações de improbidade e homicídio e condenado em primeiro grau por excesso de exação – que já tinha saído da vaga por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, o direito de continuar respondendo pelo 1º Tabelionato de Protesto e de Registros de Títulos e Documentos Civil de Pessoa Jurídica de Goiânia (GO).

A decisão chamou a atenção de advogados e magistrados que acompanham o caso, pelo fato de se tratar de período de recesso do Judiciário e o processo não ser necessariamente considerado de urgência. E, também, pela complexidade dos fatos que envolvem a situação do ex-cartorário, uma vez que a decisão, se mantida, tirará do cargo o atual cartorário Naurican Lacerda, que assumiu a vaga depois de ter sido aprovado em concurso público.

Na prática, o presidente da mais alta Corte do país, que concedeu a liminar antes de sair de férias por 15 dias, argumentou que considerou urgentes as razões apresentadas pela defesa do ex-cartorário, de que ele estava com problemas cardíacos, mas que apresentou atestado médico de depressão, por conta de sua saída do cargo.

Acontece que o imbróglio tem se arrastado há anos por conta de recursos, pedidos de providências e mandados de segurança com alegações diversas, apresentadas pelos advogados do réu. E a liminar recente do ministro Lewandowski contrariou decisões anteriores concedidas pelo ex-presidente do STF, ministro aposentado Carlos Ayres Britto, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Teori Zavascki (que já tinha denegado dois pedidos sobre o caso anteriormente e é o relator do atual mandado de segurança no âmbito do STF).

“A decisão do ministro Lewandowski é um desrespeito ao relator da ação no STF, que já tinha indeferido duas liminares e ao concurso público, uma vez que o CNJ considerou aquele cartório vago e foi realizado certame para preenchimento pela pessoa aprovada em primeiro lugar”, afirmou o advogado goiano Valério Luiz Filho, que se posicionou contrário ao retorno do antigo cartorário. “Desrespeitou, também, o Judiciário como um todo e a sociedade goiana e brasileira, por ter um serviço dessa importância, ocupado por alguém que está sendo investigado em vários tipos de crimes”, acrescentou ele.

A história toda tem ligação com a briga que dura quase dez anos em todo o país sobre o chamado “coronelismo cartorário” no Brasil, no qual, até bem pouco tempo, as administrações de cartórios eram passadas de pais para filhos e netos, sem critério algum. Maurício Borges Sampaio, que é filho do ex-titular do 1º tabelionato de protesto de Goiânia, herdou do pai a vaga. Após levantamento realizado pelo CNJ em 2008, o órgão concluiu que aquele cartório estava vago e determinou a realização de um concurso para preenchimento da vaga.

O concurso foi realizado, mas Maurício Borges Sampaio foi afastado do cartório em maio de 2013, não apenas pela indicação do aprovado no certame e sim, por motivos diversos. Além de ter sido declarado vago o cartório que vinha sendo ocupado por ele, também pesou sobre a decisão do Conselho três outros fatos. O primeiro, por Sampaio figurar em ação como mandante do assassinato do jornalista Valério Luiz de Oliveira em Goiânia (que vem a ser pai do advogado Valério Luiz Filho).

Depois, por ter conseguido de forma irregular, com o juiz Ari Queiroz (hoje afastado compulsoriamente pelo CNJ) uma liminar declarando seu cartório como o único de Goiás tido como competente para registrar ações de alienação judiciária do Detran.

E, por fim, por ter usado a tabela de registro de imóveis para suas operações (que é mais alta do que as demais), quando o cartório não é de registro de imóveis. Estas duas últimas iniciativas fizeram com que o cartorário multiplicasse em seis vezes o seu faturamento, o que levou às investigações – inclusive, bloqueio judicial de seus bens e de familiares, determinado em agosto de 2014.

O argumento apresentado mais uma vez pelo antigo cartorário que estava afastado, no último mandado de segurança, foi que o juiz Ari Queiroz, antes de ser punido com a aposentadoria compulsória, concedeu uma decisão anulando um decreto do Estado de Goiás que dizia que o cartório estava vago e desconsiderando a resolução do CNJ, mesmo havendo decisão do próprio TJGO contra. E foi com base nessa decisão do juiz Ari Queiroz que Sampaio pediu o seu retorno.

A decisão, entretanto, conta com pareceres favoráveis à vacância do cartório para que assumisse um concursado para o local, dentre outros órgãos, do Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, da Procuradoria de Justiça – além de desconsiderar a própria situação do autor da ação nos outros casos nos quais ele é citado.

Os advogados do concursado Naurican Lacerda, que já tinha assumido o cargo e teria de se afastar se mantida a decisão do presidente do STF, devem entrar com recurso contra a liminar a partir desta semana, junto ao tribunal. Mas o caso agora será julgado ou pela ministra Carmen Lúcia (atual vice-presidente), que está substituindo Lewandowski neste período, ou então pelo próprio ministro relator da ação, Teori Zavascki, a partir da retomada dos trabalhos do Judiciário, em fevereiro. Mesmo com a decisão, o cartório não poderá ser conduzido por Maurício Borges Sampaio, pois está afastado em razão de ação de improbidade.

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