Oposição desafia discurso sustentável de Eduardo Campos

Valor.

Depois de governar Pernambuco quase sem oposição durante sete anos e três meses, o presidenciável Eduardo Campos (PSB) vê crescer em seu quintal um movimento que o desafia a legitimar não apenas o discurso do desenvolvimento sustentável que ele – ao lado da ex-senadora Marina Silva (PSB) – diz representar, mas também a unidade de seu grupo político.

A ocupação, na segunda-feira (1), do hall de entrada da Prefeitura do Recife, é o capítulo mais recente das dores de cabeça que o grupo Direitos Urbanos vem causando ao ex-governador. Um acampamento permanente de manifestantes em sua porta era tudo o que o PSB não queria em seu ano eleitoral mais importante.

Aglutinado pelas redes sociais, o Direitos Urbanos se notabilizou como a principal voz crítica ao Governo de Pernambuco nos dois últimos anos da gestão Eduardo Campos. Formado majoritariamente por advogados, professores e estudantes universitários, o grupo questiona a viabilidade urbanística e ambiental de empreendimentos em curso na capital pernambucana.

O principal alvo é o projeto Novo Recife, que prevê a construção de 12 torres de 40 andares na região do Cais José Estelita, no centro da cidade. Orçado em R$ 800 milhões, o projeto pertence a três tradicionais grupos empresariais de Pernambuco: Queiroz Galvão, Moura Dubeux e GL Empreendimentos.

Todos contribuíram financeiramente com o PSB nas eleições municipais de 2012, quando o partido tirou o PT da Prefeitura do Recife após três mandatos consecutivos.

De acordo com as prestações de contas oficiais, a Queiroz Galvão doou R$ 300 mil para a campanha do atual prefeito, Geraldo Julio (PSB), e outros R$ 4 milhões para o comando nacional do PSB. O partido também recebeu R$ 500 mil da Moura Dubeux e outros R$ 500 mil do empresário Gerson Lucena, dono da GL Empreendimentos.

O terreno onde se pretende erguer o empreendimento pertencia ao Governo Federal e foi comprado pelos empreiteiros em leilão realizado em 2008. Nas poucas vezes em que falou sobre o assunto, Eduardo se limitou a responsabilizar o governo petista, responsável pela venda da área.

Evitou, entretanto, abordar o mérito do projeto, que é a razão de ser do #OcupeEstelita, movimento surgido dentro dos Direitos Urbanos a partir dos questionamentos ao caráter supostamente excludente da obra, contestada na Justiça e atualmente embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Descaracterização do centro histórico e impacto sobre a mobilidade urbana estão entre os principais pontos contestados pelo #OcupeEstelita, que ao lado do Ministério Público de Pernambuco também questiona a legalidade do leilão de venda do terreno e a inclusão do projeto no plano diretor do município. Todo o processo de aprovação ocorreu durante a gestão do PT na PCR.

O consórcio de empreiteiras garante que toda a documentação está regularizada. Os investidores são representados judicialmente pelo escritório Norões, Azevedo e Advogados Associados, que tem entre os sócios o procurador-geral do Estado de Pernambuco, Thiago Norões Arraes de Alencar, primo de Eduardo.

Questionado pelo Valor Econômico, Norões informou que está licenciado do escritório desde que foi nomeado e disse não se sentir desconfortável com a situação.

Ciente da polêmica em torno do projeto Novo Recife, o prefeito, ao assumir, convenceu os investidores a dobrar o valor das contrapartidas do empreendimento, que prevê a construção de um parque público e de outras obras mitigadoras. Mas os manifestantes acusam Geraldo Julio de não ter aberto a discussão sobre as melhorias solicitadas.

Pressionado após a ocupação do terreno, o prefeito assumiu a mediação das negociações entre manifestantes, Ministério Público e empreiteiras. O diálogo, no entanto, acabou na madrugada do dia 17 de junho (data do jogo entre Brasil e México na Copa do Mundo), quando o Batalhão de Choque da Polícia Militar usou bombas de gás e balas de borracha na reintegração de posse do terreno.

Entre os que correram da polícia no dia da desocupação estava Sérgio Xavier, que foi secretário de Meio Ambiente na gestão Eduardo Campos e é a principal liderança do Rede Sustentabilidade em Pernambuco. “Minha avaliação é de que houve um erro muito grande. Eu mesmo, como ex-secretário, tentei falar com um policial, mas tive que me afastar pra evitar o pior”, confidenciou.

No mesmo dia, Marina Silva condenou a ação policial por meio de sua conta em uma rede social. “A ação violenta da polícia é inaceitável, desnecessária e está em desacordo com todo o processo que vinha sendo construído nas últimas semanas”, disse a candidata a vice-presidente, que mencionou que muitos militantes do Rede integram o #OcupeEstelita.

A operação policial escancarou uma crise no PSB de Pernambuco. Responsável pelo envio do Batalhão de Choque, o sucessor de Eduardo, João Lyra (PSB), foi criticado publicamente pelo prefeito, que tinha se comprometido a avisar os ativistas com antecedência em caso de reintegração do terreno. Na nota em que criticou a ação policial, Geraldo Julio disse não ter sido informado previamente sobre a ação.

No entanto, uma pessoa do círculo íntimo de Eduardo garantiu que o prefeito fora avisado da ação pelo procurador-geral. Norões, por sua vez, negou ter sido ele o mensageiro, mas disse ter a informação de que o prefeito soube previamente da ordem para desocupação. Procurada, a assessoria de imprensa de Geraldo Julio reiterou a posição de que o prefeito foi surpreendido com a ação policial.

Recentemente, o ex-presidente do PSB em Pernambuco Milton Coelho assumiu uma defesa enfática do #OcupeEstelita, com críticas severas ao projeto Novo Recife e à especulação imobiliária na cidade. A posição do dirigente, que participa da coordenação da campanha presidencial de Campos, foi vista com desconfiança pelo movimento e com ironias pelos investidores.

Sob condição de anonimato, um representante das construtoras acusou a mudança de postura do PSB. “O pessoal ficou com pavor de que esse tipo de movimento pudesse atingi-los em pleno ano de campanha presidencial. Todos conhecem o modelo de gestão do PSB em Pernambuco, que sempre teve boa relação com os grandes construtores locais. Agora querem se afastar da encrenca”, disse a fonte.

Já o professor universitário Leonardo Cisneiros, um dos principais porta-vozes do #OcupeEstelita, disse que os apoios são bem vindos, desde que acompanhados de ações e não apenas de palavras. “Nossa oposição é às ações sistemáticas e não ao PSB em si. Contra uma política de aversão à participação popular, de muita dificuldade de diálogo”, reclamou.

Após muito barulho, o Direitos Urbanos conseguiu engavetar um projeto, defendido por Eduardo, de construção de viadutos sobre uma das principais avenidas do Recife. O grupo também aponta falta de licenciamento ambiental na dragagem do Rio Capibaribe e critica o passivo social resultante do grande crescimento do Porto de Suape. “Dizer que Eduardo Campos é sustentável é uma piada”, ironiza Cisneiros.

Homem de confiança de Eduardo Campos, Milton Coelho critica as empreiteiras donas do Novo Recife, que segundo ele “buscam dinheiro nos bancos públicos para fazer projetos ‘tipo Miami’, que não representam nada de estruturador para a cidade”. Ele esclareceu, no entanto, que não fala em nome do PSB, mas garantiu que muitas de suas posições são muito parecidas com o que Eduardo pensa sobre o assunto.

O presidenciável evita o tema. Questionado após a ação da polícia – que obteve o melhor desempenho do país em redução dos índices de violência nos últimos anos -, Eduardo foi sucinto. “A questão que está posta não é simplesmente a da reintegração, que o governo deve apurar os atos de violência, se eles ocorreram, no cumprimento de uma ordem judicial. Mas a questão central é a da busca de construir uma cidade mais humana, uma cidade com planejamento e o olhar da cidadania”.

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