Mostra a tua cara

 

 

 

Ela fez 18 anos no último dia 26 de agosto. Faz parte das assembleias, fóruns e manifestações do Movimento Pelo Passe Livre desde que eram apenas 150 pessoas nas ruas. Ela é filha de um humilde motorista de carro-forte. Não recebe mesada. Renda familiar, R$ 2 mil. Nasceu e vive em Duque de Caxias. Não transita pela Zona Sul do Rio. De segunda a sexta, acorda às 8h da manhã e pega três conduções até Niterói, onde cursa o 2º período do curso de Segurança Pública da Faculdade de Direito da UFF. Só tira notas altas. Passa os fins de semana em casa, estudando. Seu ídolo, político inclusive, é o cantor inglês Morrissey – mas seu coração bate também por Focault, Los Hermanos, Virginia Woolf e Pedro Almodóvar. Acha que o filme brasileiro “O Som ao Redor” já previa tudo o que está acontecendo nas ruas do Brasil, hoje. Ela aprendeu cedo o cheiro do gás lacrimogêneo e do gás de pimenta. O nome dela é Mayara Duarte de Moraes. E seu rosto é a primeira cara pública da geração que mobilizou o Brasil. Um rosto público, ao contrário da minoria que cobre o seu rosto de preto para exercer cidadania com atos de vandalismo. Mayara não cobre o seu rosto porque tem orgulho dele.

 

 

 

 

 

 

Como começou a sua militância?

 

Sou feminista desde a adolescência. Sempre fui aquela chata que perde o amigo mas não deixa passar piada machista ou sexista. Minha primeira marcha foi a Marcha das Vadias, em maio do ano passado. Em seguida, me filiei a coletivos que operam em ações comunitárias. Já passei por mais de um porque, quando vejo que o coletivo tem um viés doutrinador, de lavagem cerebral, pulo fora. Nos fóruns que participei em seguida, essa questão do aumento dos preços do transporte público, por ser nacional, por representar o abuso de tantos serviços ruins prestados à população, principalmente pobre, por preços tão caros, se tornou o foco da militância.

 

Quando vocês se reúnem para estabelecer uma data e um local para uma manifestação, decidem também a respeito de seu caráter? Se ela será pacífica ou não?

 

É sempre feita uma votação. E sempre tem vencido, por unanimidade, a opção por manifestação pacífica. Com cartazes e palavras de ordem. Confronto com a polícia, que tem o dever de nos proteger, apenas se formos atacados. E fomos atacados, como mostraram as imagens da ação em Brasília na abertura das Copas das Confederações e no último domingo (16), durante o jogo Itália x México, quando finalmente a imprensa testemunhou os abusos que são cometidos conosco. Os anarcopunks, por serem anarquistas, claro, não participam de votações. Decidem arbitrariamente e sozinhos pelo confronto e antes mesmo das manifestações. É a ideologia deles. Condenável quando a polícia não ataca primeiro, normal quando se é agredido antes.

 

É verdade. Os que foram barbaramente vandalizados pela polícia ao redor do Maracanã eram jovens desencapuzados, que colocaram sua cara a tapa. Eram outra turma. Já passou pela cabeça de vocês pensar em separar-se dos anarcopunks?

 

Nós conversamos previamente com eles, explicamos que confronto com a polícia sem ter sido atacado antes e vandalismo prejudicam o movimento. Mas não podemos proibir a adesão de qualquer grupo, porque simplesmente não somos os donos do movimento. O movimento é de todos. Os que são contra a minoria de anarcopunks estão convidadíssimos para engrossar o movimento contra. Se no dia seguinte esta maioria resolve dar o seu recado ajudando a recuperar o que foi depredado, este tipo de posição política se fortalece. O que não pode é ficar torcendo contra ou desconfiando de tudo sentado no sofá de casa.

 

Manter o movimento aberto não abre uma brecha para grupos oportunistas tomarem conta, modificando sua agenda?

 

Certamente sim. Mas democracia é isso. E não somos ingênuos, sabemos quem aderiu ao movimento para pegar carona e conseguir executar uma agenda que, sozinha, não levou ninguém pra rua até agora.

 

Você está falando da movimentação “fora Dilma”?

 

É um dos exemplos. Quando gritamos “fora Dilma”, “fora Cabral”, é no sentido de expressar nosso descontentamento com o modo como vem conduzindo suas políticas, não de induzir impeachment. O ideal seria o movimento, o som da rua perpetuar-se, e passar a deixar os governantes em estado de alerta, com medo do povo que o elegeu, como um mau funcionário teme por seu emprego. Nós somos os patrões deles, e não o contrário. Os elegemos e pagamos seus salários. Generalizo sem medo: não há políticos no poder, hoje no Brasil, que estejam governando bem. E essa é uma percepção geral da sociedade, sentida no sertão e nas cidades e que cria uma tensão entre camadas sociais – a classe alta, em sua relutância para aceitar socialmente a nova classe C é, também, responsável. É o “Som ao Redor” do qual avisou o filme do Kléber Mendonça Filho: um som que não foi percebido pelos políticos, pela imprensa, e que quando berrou, foi maltratado também pelos políticos e pela imprensa. Agora, finalmente, todos parecem ouvir. Um som que parece estar em todo lugar, em cada canto de cada cidade; e, embora, eu  não tenha muito contato com a Zona Sul do Rio de Janeiro por exemplo, posso falar do que ocorre periferia, na baixada: em Duque de Caxias, está todo mundo, nas praças e nos bares, no limite da paciência com a política que é feita no Brasil. Vivemos em um país democrático, coisa que foi conquistada a duras penas por gerações anteriores. Estes políticos, agindo do modo que vem agindo há décadas, estão desmoralizando a democracia. E é aí que mora o perigo.

 

Hoje é dia de mais uma manifestação no Rio de Janeiro. A primeira após a conquista dos “0,20 centavos”. O que você diria ao cidadão que está indeciso em participar?

 

Eu diria que as manifestações são nossas, de todos os cidadãos. De todas as bandeiras. De todas as reividicações. Se você acha que uma minoria de vândalos estraga o movimento, compareça, seja uma maioria de não-vândalos ainda mais numerosa do que já é. Diria para vir porque aqui tem um movimento que é seu e que está te esperando na rua que é sua, não apenas dos governantes que elegemos. Não deixem outros ocuparem o seu lugar na rua.  A rua é nossa, e a hora não é só agora. Nos países onde a democracia é mais madura que a nossa, as pessoas vão às ruas protestar quase uma vez por mês. E isso não atrapalha nem as instituições, nem a estabilidade das instituições desses países. Já deveríamos ter, no Brasil, uma marcha mensal de 500 mil pessoas desde que acabou a ditadura. Nós também, o povo, não soubemos aproveitá-la. Agora não. Vamos tornar a ida à rua um hábito. Não temam isso. Não nos temam. Não temam nada. Pelo contrário, comemorem. Lembra da música “se essa rua fosse minha?”. Pois então, agora é. Venha exercer o seu direito de ocupá-la.

 

 fonte:g1

 

 

 

Crédito das fotos: Mayara Duarte.

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