MÚSICA – Kenny Rogers e Sheena Easton-We’ve got tonight

MÚSICA – Kenny Rogers e Sheena Easton-We’ve got tonight

No fim, o que resta da poesia é apenas “um verso, um pensamento ou uma saudade”

Veredas da Língua: Alberto de Oliveira - Poemas

O farmacêutico, professor e poeta Antonio Mariano Alberto de Oliveira (1857-1937), nascido em Saquarema (RJ), no soneto “Horas Mortas” revela a satisfação que sente, após um longo dia de trabalho, por poder enfim se entregar à poesia.

HORAS MORTAS
Alberto de Oliveira

Breve momento, após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear o espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo, apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

Governo e oposição estão conseguindo transformar o país numa usina de crises

Chage do Nielsen (O Dia/PI)

Dora Kramer
Estadão

O Ministério da Justiça tem exibido especial vocação para atrair polêmicas e divergências. Seja pela personalidade algo provocativa do ministro Flávio Dino, que faz a festa dos adversários, seja por acontecimentos que o colocam no centro da arena onde se dá o embate ideológico entre governo e oposição.

O mais recente, todo mundo sabe, foi a descoberta de que uma mulher casada com um preso chefão do tráfico no Amazonas esteve em audiências com secretários e diretores da pasta, na condição de presidente de uma ONG financiada pelo Comando Vermelho, facção do marido. Condenada por lavagem de dinheiro, ela recorre em liberdade e, assim, pôde transitar por gabinetes oficiais em Brasília.

É INACEITÁVEL – Grave? Muito. Aceitável? De jeito nenhum. Mas, daí a dizer que isso é sinal de conivência do governo com o crime organizado há uma distância abissal. Manipulam os fatos os autores da tese. Bem como manobram com a realidade aqueles que, a pretexto de defender o ministro de uma acusação injusta, pretendem dar ao caso ares de invencionice conspiratória.

Ambas as versões são falsas, embora se misturem nesse mundo de escaramuças vazias em que o importante é emplacar o relato mais conveniente aos narradores.

A falha do ministério ocorreu, houve o reconhecimento do descaso na filtragem dos visitantes, foi criado um protocolo de atendimento e poderíamos ter ficado por aí, mas não. A necessidade de alimentar a dinâmica da exorbitância das redes incorporada pela política se impõe de parte a parte.

BRIGAR OU GOVERNAR? – Ocorre, contudo, que os eleitos para os exercícios de governo e oposição têm objetivos a serem cumpridos, compromissos assumidos na urna que não podem nem devem se conduzir pela lógica do descompromisso dos pelejadores de internet.

Portanto, conviria a suas altezas baixarem as respectivas bolas, parar de lacrar e agir no sentido de providenciar algo de melhor para o Brasil. Vale para direita e esquerda. 

OAB e Defensoria se indispõem com as restrições de Moraes ao direito de defesa

Moraes diz que apenas seguiu o Regulamento do Supremo

José Marques
Folha

Entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Defensoria Pública se indispuseram nos últimos meses com Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), por recusas do ministro em atender a pedidos que consideram fundamentais para a ampla defesa de seus representados.

Esse tipo de situação tem relação principalmente com o extenso uso do plenário virtual em vez de manifestações presenciais dos advogados em julgamentos e levou a Ordem a divulgar duas manifestações públicas, assinadas pelo presidente da entidade, Beto Simonetti.

SEM ACESSO – Somado a isso, advogados e defensores vêm se queixando de negativas do ministro para pedidos das classes. Uma das reclamações recentes é a de advogados de alvos da ação da Polícia Federal que investiga suspeita de uso ilegal da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), sob o governo Jair Bolsonaro (PL), para monitorar celulares de jornalistas e de adversários do ex-presidente.

A operação está sob a relatoria de Moraes, e os advogados dizem que não tiveram sequer acesso à decisão do caso ou ao pedido de diligências feito pela PF.

Apesar dos atritos, a OAB não mostra pretensão de entrar em conflito direto com o ministro e vem tentando no último ano mostrar que simpatiza com as ações do STF contra os acusados de participarem de atos antidemocráticos desde a gestão de Bolsonaro. Desde essa época, porém, vem esperando reciprocidade do ministro com os pleitos dos advogados.

AMPLA DEFESA – Procurado, o ministro disse por meio da assessoria do STF que “a ampla defesa é plenamente garantida no plenário virtual, não havendo prejuízo com as sustentações orais lá realizadas”.

Uma das reações recentes ao ministro aconteceu em um julgamento da Primeira Turma do Supremo, presidida por Moraes, no último dia 7, e mobilizou tanto a OAB quanto a Defensoria.

A turma julgaria um caso que estava em plenário virtual e foi levado para o julgamento presencial a pedido do ministro Cristiano Zanin. Na ação, a Defensoria pedia que um réu por contrabando de cigarro firmasse acordo para não responder a uma ação penal.

REGIMENTO INTERNO – Um defensor queria se manifestar antes da votação dos ministros para a chamada “sustentação oral”, quando as representações da parte apresentam seus argumentos. Moraes negou a solicitação sob o argumento de que o regimento não permitia.

“A Primeira Turma já tem pacificado que nos agravos internos não cabe sustentação oral. O Regimento Interno do Supremo tem força de lei. Lei específica, prevalecendo sobre a norma geral”, disse o ministro ao defensor.

A negativa não agradou a OAB, que elaborou uma nota na qual manifestou “preocupação com a flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa pelo Supremo Tribunal Federal”.

PRERROGATIVA – Segundo a Ordem não houve “reconhecimento da prerrogativa da advocacia de proferir sustentações orais de forma presencial, durante as sessões, nas hipóteses previstas em lei”.

A nota assinada por Simonetti diz que a sustentação oral é parte do direito de defesa, uma garantia constitucional que “não se submete a regimentos internos, mesmo o do STF”.

“Tais regimentos regulamentam o funcionamento dos tribunais e não podem corrigir ou suprimir direitos constitucionais regulamentados por leis federais. A negativa de proferimento de sustentações orais previstas em lei representa violação da lei processual e da Constituição”, diz a manifestação.

DIZ O DEFENSOR – Dentro da Defensoria Pública da União, a decisão de Moraes também repercutiu, já que o réu era representado por um defensor. À reportagem o defensor público da União Gustavo de Almeida Ribeiro, que atua perante o Supremo, diz que a sustentação oral tem ganhado importância porque “cada vez mais, os processos em trâmite no STF são julgados no sistema virtual e decididos de maneira monocrática, principalmente os habeas corpus”.

Por isso, acrescenta ele, quando há ações que discutem temas em que há controvérsias e são levados para o sistema presencial, é fundamental “que seja permitida a sustentação oral, porque ela permite que a defesa leve ao conhecimento dos julgadores questões importantes, que muitas vezes devem ser observadas para análise daqueles casos”.

A Defensoria, assim como a OAB, tem entendido que cabia sustentação oral no caso em questão.

Era só o que faltava! Sérgio Cabral diz que vai concorrer a deputado em 2026

Ex-governador Sérgio Cabral anuncia intenção de se candidatar a deputado  federal: 'Caso a Justiça me permita'

Cabral acha que será eleito, se disputar a Câmara Federal

Deu na Folha

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral afirmou que pensa em se candidatar a deputado federal nas eleições de 2026. A declaração foi dada ao jornalista Eduardo Tchao, que a publicou em seu perfil no Instagram.

No vídeo, Cabral é questionado sobre qual cargo pensa em disputar. O ex-governador responde: “Deputado federal, caso eu possa e a Justiça me permita. É um cargo que nunca exerci e que eu gostaria de ver a pluralidade brasileira, conhecer mais o Brasil profundamente. Com mais de 500 deputados federais, você vai entender mais o Brasil e defender o Rio de Janeiro”.

LEVE E SOLTO… – Preso em 2016 na Operação Lava Jato, Cabral deixou a cadeia em dezembro de 2022, por ordem do Supremo Tribunal Federal, após mais de seis anos detido.

Em fevereiro, a Justiça revogou a última ordem de prisão domiciliar que havia contra o ex-governador, e ele cumpre hoje apenas medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica.

Mesmo livre, porém, o político não está apto a disputar uma eleição por causa da Lei da Ficha Limpa, já que ele foi condenado em segunda instância.

PAPO COM CABRAL – Desde que foi solto, Cabral tem apostado no engajamento nas redes sociais, tentando atuar como um influenciador, e voltou a circular entre os políticos do Rio. No YouTube, criou um programa chamado “Papo com Cabral”, em que fala, por exemplo, de acontecimentos de sua carreira política.

O tom de Cabral é bem diferente de quando concedeu entrevista na prisão à Folha, em 2021. Na ocasião, contou que se desfiliou de seu partido, o MDB, disse que não era mais “um agente político” e que não queria mais envolvimento com a política. “É uma decisão de vida.”

Duas das 21 condenações contra Cabral que ainda permanecem válidas já tiveram decisão definitiva por órgão colegiado. Desde que foi preso, o ex-governador chegou a acumular cinco mandados de prisão, 37 ações penais (sendo duas sem relação com a Lava Jato) e 24 condenações a penas que, somadas, ultrapassaram 400 anos de prisão.

JUIZ AFASTADO – Algoz de Cabral, o juiz federal Marcelo Bretas, que era o responsável pela maior parte dos processos contra o ex-governador, foi afastado de suas funções neste ano pelo Conselho Nacional de Justiça para investigar supostas irregularidades na condução das ações.

Entre as acusações a que Cabral responde, há a denúncia de que ele cobrava 5% de propina nos grandes contratos de seu mandato à frente do Governo do Rio de Janeiro (2007-2014). As investigações da época também descobriram contas com cerca de R$ 300 milhões no exterior em nome de laranjas, além de joias e pedras preciosas usadas, segundo o Ministério Público Federal, para lavagem de dinheiro.

Na trajetória política de Cabral, ele nunca assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados. Antes de ser governador do Rio por dois mandatos seguidos, o político foi senador (2003 a 2006) e deputado estadual (1991 a 2003). No período que esteve na Assembleia Legislativa do Rio, Cabral foi presidente da Casa e sucedido pelo aliado Jorge Picciani, também preso na Lava Jato.

Biden quer reunificar Gaza e Cisjordânia sob o comando da Autoridade Palestina

Em busca da paz, Biden começa a falar grosso com Israel

Deu no Estadão
Agência France Presse

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sugeriu que a Faixa de Gaza e a Cisjordânia sejam reunificadas sob o comando da Autoridade Palestina, em artigo publicado neste sábado, 18, no Washington Post. No momento em que Israel enfrenta a pressão internacional pelo impacto aos civis no meio da guerra contra os terroristas do Hamas, o líder americano voltou a defender a solução de dois Estados para a paz prolongada na região.

“Enquanto lutamos pela paz, Gaza e Cisjordânia deveriam se reunificar sob uma única estrutura de governança, essencialmente sob uma Autoridade Palestina revitalizada, enquanto todos trabalhamos com vistas a uma solução de dois Estados”, escreveu Biden em alusão à criação de um Estado palestino ao lado de Israel.

PREOCUPAÇÃO – Washington é o principal aliado de Tel-Aviv, que responde ao ataque perpetrado por terroristas do Hamas em 7 de outubro, quando 1.200 pessoas foram mortas e 240 levadas como reféns.

No entanto, à medida em que o número de mortos aumenta do lado palestino, já chegando a 15 mil, os EUA têm expressado preocupação com a situação em Gaza.

“Uma solução de dois Estados é a única forma de garantir a segurança a longo prazo tanto para israelenses como para palestinos. Embora neste momento possa parecer que esse futuro esteja mais distante que nunca, a crise o torna ainda mais imperativo”, acrescentou Joe Biden.

DISSE BIDEN – O presidente americano também criticou a violência de colonos judeus contra palestinos na Cisjordânia, que se intensificou em meio à guerra, e ameaçou com sanções.

“Tenho sido enfático com os líderes de Israel no sentido de que a violência extremista contra os palestinianos na Cisjordânia deve acabar e que aqueles que cometem a violência devem ser responsabilizados”, afirmou Biden.

“Os Estados Unidos estão preparados para adotar as próprias medidas, incluindo a proibição de vistos contra extremistas que atacam civis na Cisjordânia”, acrescentou.

“A Internet do país vai parar”, alerta executivo sobre usina no Ceará A Anatel já emitiu parecer contrário a instalação da usina

Temor é de rompimento de cabos submarinos de internetTemor é de rompimento de cabos submarinos de internet – 

Vice-presidente institucional da Claro, Fábio Andrade, é figura conhecida nos círculos do poder em Brasília (DF). Neste momento, ele lidera uma reação contra a obra de uma usina de dessalinização de água na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE). O projeto ameaça a integridade dos cabos submarinos, responsáveis pela conexão de quase toda a internet do país com o restante do mundo.

Essa usina vai mesmo parar a internet do país? A Anatel já se manifestou. Disse que essa situação é um absurdo e determinou que os dutos da usina fiquem a, no mínimo, 500 metros dos cabos submarinos. Antes, o projeto estabelecia cinco metros. Com a vibração da água pelos dutos de sucção] pode haver rompimento dos cabos.

E isso resolve? Essa distância impede que sejam instalados novos cabos para aumento de capacidade. E, hoje dia, consumo de internet cresce que nem unha. A gente planeja dobrar o número de cabos em três anos. Para isso, seria preciso uma distância de, no mínimo, 1.000 metros.

O que fez a Anatel? Promoveu um seminário em Fortaleza [capital do Ceará] em que ambas as partes de reuniram. A companhia de água entrou questionando. Disse que não havia motivo para preocupação. Aí, a gente aumentou o tom para explicar que há o risco de causar uma pane na internet. Aí, a gente aumentou o tom para explicar que há o risco de causar uma pane na internet.

Não é exagero? Quase toda a conexão internacional do país com EUA, Europa e África chega na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE). Um reparo leva, no mínimo, 50 dias. Isso afetaria a segurança pública, saúde, hospital, a população.

E ninguém previu isso no projeto? Depois do nosso alerta, a companhia de água disse faria um projeto executivo prevendo alguma solução.

É uma obra de quase R$ 3 bilhões envolvendo até investidores estrangeiros. Antes disso, só havia um projeto básico e nele constava as intersecções.

O governador é hoje ministro da Educação e o governador atual pertence ao PT. O Palácio não acompanha isso? A informação que temos é que o governador atual [Elmano de Freitas (PT)] decidiu manter da forma como estava. Mas, de uma semana para cá, houve um arrefecimento nessa intenção. Hoje, estamos esperando esse projeto executivo.

E tem como resolver? O que não falta em Fortaleza é mar. Não encontro razão para esse projeto ser exatamente nessa praia. A água é a mesma. Se ficar lá mesmo, teremos sérios problemas de expansão. A gente quer que, se for instalar [a usina], que seja na Praia da Árvore.

Se não mudarem de praia, como ficará a expansão da capacidade de internet? Teremos de procurar outra praia. Ali é a menor distância que liga todos os continentes e as marés são ideais [sem muita vibração nos cabos]. O custo é maior, teremos ainda de providenciar a conexão em terra entre esses dois terminais de cabos.

Há prazos definidos? A licença ambiental [da usina] foi aprovada e ouvimos que pretendem iniciar as obras em março do próximo ano.

RAIO-X

Formação: Comunicação Social (Unicesp) com MBA em Relações Institucionais (FGV)Carreira: Gerente da OAS (1988-1999); diretor da Consdon (1999-2001); diretor da TV Liberal (2002-2007); diretor institucional da Net (2008-2013); diretor institucional da Claro (2013-2019); VP institucional da Claro (desde 2019).

Fonte: Folha de São Paulo.

Os últimos dias de Fernando Pessoa – o Hospital. Por José Paulo Cavalcanti Filho

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Fernando Pessoa no bar Abel, em Lisboa
  Por José Paulo Cavalcanti Filho  –  Escritor, poeta, membro das Academias Pernambucana de Letras, Brasileira de Letras e Portuguesa de Letras. É  um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade

Lisboa. Está cada vez pior. Manassés, seu vizinho barbeiro, lhe faz a última barba. Alguns  amigos estão com ele.

Pessoa, mal, se prepara para ir ao hospital. Então vai até a estante e retira de lá o menor livro (9 por 13 centímetros) que encontra, Sonetos escolhidos, de Bocage ? que, em 1921, lhe havia sido dado “com o respeito que lhe merece o seu talento” pelo prefaciador da obra, o amigo íntimo (Alberto) da Cunha (Dias). Põe o livrinho no bolso direito. Está pronto. Uma automaca (maca montada em automóvel, predecessora das ambulâncias de hoje) o leva embora dessa casa à qual  jamais voltaria. “Perdi a esperança como uma carteira vazia.” Em A um revolucionário morto, disse:

Talvez a vitória seja a morte, e a glória

Seja ser só memória disso

A vida é só tê-la, vivê-la e perdê-la.

HOSPITAL SÃO LUÍS DOS FRANCESES. “Trazei pajens; trazei virgens; trazei, servos e servas, as taças, as salvas e as grinaldas para o festim a que a Morte assiste! Trazei-as e vinde de negro, com a cabeça coroada de mirtos (ramos de murta). Vai o Rei a jantar com a Morte no seu palácio à beira do lago, entre as montanhas, longe da vida, alheio ao mundo.”

Mas sua vida nem sempre imitou a arte; que o “palácio antigo”, com que sonhou, não fica à beira de nenhum lago. Nem está próximo de qualquer montanha. Trata-se de um dos melhores e mais caros hospitais particulares da Lisboa daquele tempo, o São Luís dos Franceses. Fica no Bairro Alto de São Roque, na Rua (Simão da) Luz Soriano 182 ?  lugar calmo e sombreado, com bancos de ferro ao redor, perto da casa em que mora e a menos de um quilômetro do apartamento em que nasceu.

É conduzido ao quarto 30 (mais tarde, renumerado para 308) ? o mesmo em que morrerá, depois, o amigo Almada Negreiros (em 1970). Tão distante do que pressente, em O marinheiro, “um quarto que é sem dúvida num castelo antigo”. Diferente do verão, a luz é pouca naquele quarto acanhado ? 3 metros por 4, cama de ferro como as de todos os hospitais, um armário alto, outro pequeno com telefone por cima, sofá para dois lugares, cadeira e mesa de cabeceira modernosa.

Entre cama e janela fica o rendado miúdo de um mosquiteiro, embaçando a paisagem, cenário perfeito para verso que antes escrevera ? “Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as coisas como verdadeiramente são”; ou, quase as mesmas palavras do Primeiro Fausto, “há entre mim e o real um véu”.

As paredes, até 2 metros, são limpas, pintadas com uma tinta escura; acima disto, e no teto, branco imaculado. Sem um único quadro. Hoje esse quarto tem, pela frente, o elevador que leva ao primeiro andar. A parede é clara e áspera, salpicada por cimento até 2 metros de altura; e, a partir daí, lisa como antes.

O teto é de gesso. Um sofá para duas pessoas, bem antigo, fica entre a cama e uma janela que tem grade por fora. Armário, mesa de cabeceira austera e três cadeiras comuns de madeira completam a decoração. Sem grandes mudanças, hoje, em relação à decoração daquele tempo. Em Ritos iniciáticos, diz

Pergunta ? De onde vens?

Resposta ? Não sei.

P ? Aonde vais?

R ? Não me disseram (sei).

P ? O que sabes?

R ? O que esperei (Nada).

Mestre do Átrio ? Basta que me digas sim.

O Neófilo ? Sim

Mestre do Átrio ?  A paz seja contigo.

O cenário do festim está pronto. Em vez de pagens, virgens ou servos, é acompanhado apenas por austeras enfermeiras. Sem música ou dança, há lá só aquele silêncio que prenuncia eternidade. Luís Pedro Moitinho de Almeida confirma, citando depoimento de amigos: Não se lhe ouvia um queixume. Só dizia o que era preciso. “Quem sabe se morrerei amanhã?”

Pressente o desastre inevitável e pede um lápis; é que, deitado na cama, tem mesmo que recorrer a ele ? dado não lhe ser possível usar o bico da pena com que quase sempre se escrevia, naquela época, por só funcionar com essa pena para baixo. E por não haver onde repousar o tinteiro. Esse lápis a família guarda, ainda hoje. Então põe no peito sua inseparável pasta preta, sobre ela um papel e, em inglês, deixa sua última frase escrita:

 I know not what tomorrow will bring (Eu não sei o que o amanhã trará).

Mesmo no inglês corrente do seu tempo, a frase deveria ter sido I don’t know what tomorrow will bring. O uso intencional desse estilo arcaico, com know not, acentua o sentido literário que quis lhe dar.

Já para Pizarro, Ferrari e Cardiello, terá sido “eco evidente de um epigrama de Palladas de Alexandria (Today let me live well; none knows what may be to-morrow)publicado no primeiro volume de Greek anthology (1916) — um livro que estava nas estantes de Pessoa.  Para Jorge Monteiro, em outra versão, escreve a frase evocando “conscientemente as Escrituras (Provérbios, 27:1) que dizem: “Não te felicites pelo dia de amanhã/ Pois não sabes o que hoje vai gerar”.

Segundo sua sobrinha Manuela Nogueira, não foi a primeira vez que disse essas palavras. A confirmar esse depoimento, bom notar que quase reproduz versos incompletos, escritos em 28 de outubro de 1920, depois encontrados na Arca:

I, that know not if I shall live tomorrow,

How but my hope of that live I today.

Não literalmente,

Eu, que não sei se viverei amanhã

Nada tenho senão a esperança de viver hoje.

No Desassossego, pressente “a tortura do destino!” e se pergunta: “Quem sabe se morrerei amanhã?” Essas palavras só agora estavam certas. E todos o sabiam, inclusive ele próprio.

Argentinos farão uma “escolha de Sofia”, repetindo o Brasil em 2018 e em 2022

Ilustração mostrando os candidatos à Presidência da Argentina Javier Milei e Sergio Massa caracterizados como os personagens Frankenstein e Drácula

Ilustração de André Melo (O Globo)

Merval Pereira
O Globo

A Argentina hoje está na mesma situação que o Brasil já esteve. Assim como em 2018, quando aqui surgiu o fenômeno bolsonarista, e Haddad representava o petismo (com Lula na cadeia), repetindo-se o dilema em 2022, na Argentina agora é o peronismo do candidato Sergio Massa, que tem várias facções e está sendo contestado por um outsider completamente fora dos padrões, Javier Milei.

E os eleitores lá farão uma escolha de Sofia no domingo. A situação hoje é mais parecida com 2022, porque a vitória de um ou de outro será muito apertada.

Há pesquisa para todos os gostos. Várias promessas de Milei não podem ser cumpridas e ele já está voltando atrás, como no rompimento com o Brasil.

Desejos e fantasias de um poeta que ama o que a vida tem de melhor

Affonso Romano de Sant'Anna | Impressões do Brasil | TV Brasil | Cidadania

Affonso Romano, um grande poeta

O jornalista e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna descreve os seus “Desejos”, em que alguns versos são bastante atuais.

DESEJOS
Affonso Romano de Sant’Anna

Disto eu gostaria:
ver a queda frutífera dos pinhões sobre o gramado
e não a queda do operário dos andaimes
e o sobe-e-desce de ditadores nos palácios.

Disto eu gostaria:
ouvir minha mulher contar:
– Vi naquela árvore um pica-pau em plena ação,
e não: – Os preços do mercado estão um horror!

Disto eu gostaria:
que a filha me narrasse:
– As formigas neste inverno estão dando tempo às flores,
e não:-Me assaltaram outra vez no ônibus do colégio.

Disto eu gostaria:
que os jornais trouxessem notícias das migrações dos pássaros,
que me falassem da constelação de Andrômeda
e da muralha de galáxias que, ansiosas, viajam
a 300 km por segundo ao nosso encontro.

Disto eu gostaria:
saber a floração de cada planta,
as mais silvestres sobretudo,
e não a cotação das bolsas
nem as glórias literárias.