13 de março: o dia em que a Operação Lava-Jato acabou

A Justiça Eleitoral é um arremedo de justiça especializada.

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Por Paulo Bueno

O dia era 13 de março de 2019, mais uma quarta-feira comum em Brasília.

No Plenário do STF, os Ministros iniciavam o julgamento de um dos quatro Agravos Regimentais interpostos no Inquérito número 4.435, que investigava os crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois em campanhas eleitorais supostamente praticados pelo ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e pelo deputado federal Pedro Paulo Carvalho Teixeira.

Dois problemas principais estavam postos: a manutenção dos processos no STF pela existência de foro privilegiado dos acusados; e a manutenção da investigação no âmbito da Justiça Federal pela existência dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro ou a remessa dos autos à Justiça Eleitoral pela existência do crime de caixa dois.

Superada a primeira discussão, os Ministros se debruçaram sobre a eventual competência da Justiça Eleitoral para julgar todos os crimes comuns decorrentes da prática do crime eleitoral.

O Plenário do Supremo superou a divergência existente entre as duas Turmas da Corte e, por maioria, decidiu que todos os crimes conexos a crimes eleitorais devem ser investigados e julgados no âmbito da Justiça Eleitoral, remetendo os autos ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

Estava decretado o fim da Operação Lava-Jato e de todas as demais investigações envolvendo políticos e campanhas eleitorais.

Deixando de lado o viés romancista do texto, fato é que a Operação Lava-Jato corre sérios riscos de acabar caso o STF entenda que práticas criminosas cometidas em conexão com crimes eleitorais devem ser julgadas em conjunto pela Justiça Eleitoral.

Vamos entender melhor.

Desde o início das investigações da Operação Lava-Jato, a Justiça Federal ficou responsável pelo processamento e julgamento dos processos envolvendo crimes de corrupção e lavagem de dinheiro praticados por políticos e agentes com eles relacionados (doleiros, empreiteiras etc.).

Foi a Justiça Federal que escancarou o mecanismo utilizado pelo PT em conluio com grandes empreiteiras para roubar dinheiro público, para financiar governos autoritários de esquerda e para custear suas campanhas eleitorais tendentes à perpetuação no poder.

Foi um juiz federal de Curitiba, hoje Ministro da Justiça, que condenou o poderoso-chefão Luís Inácio Lula da Silva a mais de 10 anos de prisão, tendo sua decisão referendada por outro órgão da Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Em nenhum momento a Justiça Eleitoral – preocupada que estava em editar resoluções contra fake news e em apurar se propaganda realizada através de outdoor era ilegal – participou desse histórico processo de moralização da República.

O motivo é simples: a Justiça Eleitoral é um arremedo de justiça especializada.

A Justiça Eleitoral não possui mínimas condições para julgar causas envolvendo corrupção, lavagem de dinheiro e crimes comuns praticados por políticos desonestos e seus asseclas da iniciativa privada corrompida.

A Justiça Eleitoral não possui sequer carreira própria de juízes, pegando magistrados “emprestados” de outros ramos do Poder Judiciário para poder fazer funcionar as zonas eleitorais, os tribunais regionais eleitorais e até mesmo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Quanto à atuação do Ministério Público em âmbito eleitoral, também é feita com Promotores e Procuradores emprestados das carreiras estaduais e federais.

Só esses motivos já seriam suficientes para impedir que o STF remetesse os processos da Lava-Jato para a Justiça Eleitoral, mas, como sabemos que os Ministros da Suprema Corte são afeitos à erudição jurídica, vamos à argumentação técnica.

Aqueles que pedem que os processos da Lava-Jato sejam remetidos à Justiça Eleitoral lastreiam seus argumentos nos artigos 78 e 79, do Código de Processo Penal (CPP – lei número 3.689, de 3 de outubro de 1941, isso mesmo, 1941).

Pelo inciso IV, do artigo 78, do CPP, em caso de investigação e julgamento de crimes conexos (prática concomitante de crimes comuns e crimes eleitorais, por exemplo), “no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta”, sendo que a Justiça Eleitoral seria a jurisdição especial.

E o artigo 79, do CPP, determina que os processos que tratam de crimes correlatos tramitem em conjunto, a não ser que um dos crimes seja de competência da Justiça Militar (inciso I), ocasião em que poderia ocorrer a cisão do processo para que a justiça especializada processasse e julgasse apenas o crime especial, deixando o crime comum a cargo da justiça comum.

Ocorre que o CPP entrou em vigor em 1941, portanto 47 anos antes da promulgação da Constituição de 1988. Em 1941 não existia Justiça Federal nem Justiça Eleitoral (esta havia sido dissolvida por Getúlio Vargas anos antes), motivo pelo qual não figuraram ao lado da Justiça Militar no citado inciso I, do artigo 79.

Cabe lembrar que a Justiça Federal foi reestabelecida no Brasil em 1966 e a Justiça Eleitoral em 1945.

Analisando o artigo 79, do CPP, à luz da Constituição Federal de 1988, percebemos que o inciso I deve ser interpretado da seguinte forma: haverá unicidade na tramitação dos processos criminais, salvo no concurso entre a jurisdição comum e a especializada, tais como a militar, a federal e a eleitoral.

Dessa forma, os crimes comuns em que a União for interessada e os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União devem ser processados e julgados pela Justiça Federal, em atenção ao artigo 109, da CF.

Já os crimes eleitorais devem ser processados e julgados pela Justiça Eleitoral, tal como determina o Código Eleitoral, sendo imperiosa, para tanto, a separação dos processos que investigam concomitantemente crimes comuns e eleitorais.

Ainda que o Código Eleitoral (de 1945) determine que a Justiça Eleitoral processe e julgue os crimes eleitorais e os crimes comuns que lhe forem conexos, é certo que apenas a Justiça Federal reúne condições de investigar se os crimes comuns tiveram alguma relação com as eleições. Inverter essa ordem traria um único desfecho possível para os processos criminais eleitorais: a prescrição dos crimes e a consequente impunidade dos criminosos.

Portanto, no dia 13 de março o STF definirá se permite ou não a continuidade dos trabalhos da Operação Lava-Jato

Se os Supremos Ministros mantiverem a investigação de crimes comuns com a Justiça Federal, tal como é feito atualmente, limitando-se, no máximo, a cindir os processos e a remeter à Justiça Eleitoral somente a investigação de crimes eleitorais, estarão fazendo um enorme favor ao Brasil, mantendo os corruptos receosos quanto à viabilidade de seus atos criminosos.

Caso contrário, darão um severo golpe na Operação Lava-Jato.

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