Moscou – Ao chegar a Moscou, com trabalhadores ainda limpando os vidros do Aeroporto de Sheremetyevo para a Copa, minha primeira pergunta: quanta custa o litro da gasolina na Rússia? “Setenta centavos de dólar”, me disseram.
Acabara de sair do Brasil sacudido por uma crise que toca a essência do problema na indústria do petróleo: determinar preços ou deixá-los flutuar ao sabor do mercado?
Nos estudos iniciais que fiz sobre a Rússia, compreendi rapidamente que sua história moderna passava pelo petróleo — o país responde por 12% da produção no planeta. Logo, se quisesse entender seus passos recentes, teria que seguir o cheiro da gasolina.
Alternativa tediosa? Não creio. O petróleo aqui está, como no Brasil, na origem de grandes escândalos. Na Rússia, grande parte da indústria foi privatizada na década de 1990. Os correspondentes dos empreiteiros são os oligarcas do petróleo. Alguns caíram em desgraça e se asilaram no Ocidente. O mais famoso deles, Roman Abramovich comprou o Chelsea, clube de Londres.
Quando a União Soviética entrou em colapso, a indústria da Rússia foi para o espaço, como a cadela Laika. A própria produção de petróleo viveu um forte declínio. Numa só década, o campo de Samotlor, o segundo do mundo, passou a extrair 80% menos. Mas os tempos duros foram superados com a ajuda do próprio petróleo. Se a Copa do Mundo fosse sobre poços, a partida desta quinta entre Rússia e Arábia Saudita seria a provável final.
No livro “A Roda da Fortuna — A Batalha por Poder e Petróleo na Rússia”, o professor Thane Gustafson, da Universidade Georgetown, em Washington, reconhece a importância do país como produtor, mas se inquieta sobre o futuro. Para o especialista em política russa, a chamada “Cortina de Ferro” ainda não caiu por inteiro na indústria do petróleo: sua inquietação se baseia na tese de que a indústria do petróleo corre contra o tempo e, para sobreviver com margem de lucro razoável, precisa se adaptar a uma permanente revolução tecnológica e gerencial.
Putin tem uma posição diferente. Ele acha, da mesma forma que grande parte dos políticos brasileiros, que a indústria do petróleo tem uma responsabilidade social e deve ajudar o país. Um setor — que talvez pudesse ser classificado de esquerda no seu governo — acha que a indústria do petróleo tinha responsabilidade, mas também uma dívida com a mãe Rússia.
O processo de privatização dos anos 1990, que chama de “Década Selvagem”, na verdade foi feito com dinheiro do governo, por meio do mecanismo chamado “empréstimo por ações”. Os oligarcas do petróleo nasceram aí.
O grosso da indústria acabou voltando às mãos do governo, na era Putin, a partir de 2000. Os liberais que sonhavam com uma Rússia idêntica às democracias ocidentais não venceram a batalha, como imaginaram no princípio.
Gustafson mostra que o petróleo é o carro-chefe das exportações russas, e sua produção reverte ao Estado cerca de 45% dos impostos recolhidos. Putin, além do petróleo, subsidia o preço do gás, que é também um dos pontos fortes da economia.
Mesmo a política externa russa foi amplamente dominada pela consciência da importância do petróleo e gás. Seus formuladores cunharam a expressão “superpotência energética”. E Putin, durante um período, ofereceu como proposta russa para a Europa a segurança energética.
Putin planejou com os aliados Gerhard Schröder, na Alemanha, e Silvio Berlusconi, na Itália, dois grandes gasodutos: o “North” e o “South Stream”. Com a Alemanha, o projeto sobrevive; com a Itália, fracassou.
O livro de Gustafson sobre a Rússia fundamenta sua apreensão com o futuro baseado na economia, no implacável desenvolvimento do capitalismo. Em termos conjunturais, entretanto, as opções políticas influenciam o preço. Uma delas foi a de Donald Trump, rompendo o acordo com o Irã. Da mesma maneira, as sanções ocidentais pós-anexação da Crimeia impedem que a Rússia faça parcerias tecnológicas para explorar melhor o petróleo no Ártico.
Em seu livro, Gustafson afirma que a Rússia tem petróleo em abundância. O problema é o preço da produção, que vai se tornando cada vez maior. E um exemplo de que só a abundância não resolve é a própria Venezuela, que agoniza economicamente, apesar de tanto petróleo. Preços subvencionados, relações promíscuas com políticos e falta de investimento acabaram derrubando a indústria no país vizinho do Brasil.
A dificuldade tecnológica ainda não é asfixiante numa Rússia nadando em petróleo. Ela avançou no setor espacial e militar, patinou na nanotecnologia, mas tem também algumas vantagens sobre o Brasil, especialmente em Moscou: um transporte coletivo abrangente e que funciona.
E uma abertura para os patinetes, cuja presença na paisagem foi algo que me impressionou quando circulei pela superfície. Talvez seja apenas um esporte de verão. Mas é promissor.