Ato pró-Diretas evidencia que só o ‘fora, Temer’ não cura polarização
Folha de S. Paulo – Ana Virginia Balloussier e Fernanda Mena
Há 33 anos, o clamor por Diretas-Já aglutinou futuros rivais em torno de uma causa comum. Agora, as ruas voltam a pedir eleições diretas para escolher quem ocupará o Palácio do Planalto caso vingue a anunciada queda de um segundo presidenteem menos de dois anos.
Mas não espere um “déjà-vu” de 1984 no ato previsto para este domingo (4) no largo da Batata, na zona oeste de São Paulo, que reunirá artistas como Mano Brown, Pitty e Chico César, movimentos sociais e 40 blocos carnavalescos para pedir a cabeça de Michel Temer (PMDB) e um pleito popular.
Apesar de compartilharem a bandeira “Fora, Temer”, grupos de mobilização à esquerda e à direita não conseguem se entender em 2017.
Foi assim no domingo passado, quando milhares de pessoas, em sua maioria de esquerda, ocuparam a praia de Copacabana em resposta ao chamado de artistas que, em 2016, disseram ser golpe o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e agora intercalam gritos anti-Temer com canções como “Podres Poderes”-cortesia de Caetano Veloso.
É o medo do “volta, Lula” que afasta o “outro lado” de atos como esse, diz a líder do movimento “assumidamente de direita” Nas Ruas, Carla Zambelli. Para ela, nas entrelinhas do Diretas-Já 2 há um plano para recolocar o ex-presidente “e o bolivarianismo” no poder. “Não me juntaria [a eles] de maneira alguma”, diz ela, recebida por Temer no Planalto três meses antes da crise política que o devora.
“Muitos que queriam a saída do Temer estão repensando. Por duas razões: 1) falta de opção à vista; 2) risco da eleição direta e, consequentemente, de Lula voltar”, diz a empresária e socialite Rosângela Lyra, do Política Viva.
Herdeiro da família real e à frente do Acorda Brasil, Luiz Philippe de Orleans e Bragança diz que “ninguém apoia o Temer” na direita, mas muitos não abraçam o “Fora, Temer” por apoiar as reformas que o presidente apresentou, trabalhista e da Previdência. Daí a endossar atos do polo oposto são outros 500. “O Diretas-Já foi partidarizado por PT, PSOL, PC do B, sindicatos. Temos grande aversão a esses protagonistas.”
Atos prévios da esquerda, sob tutela de grupos como a Frente Brasil Popular (liderada pela CUT), tiveram discursos coléricos de petistas -como o senador Lindbergh Farias, que na greve-geral de abril chamou Temer de “um bosta, um pau mandado”.
No domingo, o comando está com figuras associadas à cultura, como os empresários Alê Youssef (fundador do Acadêmicos do Baixo Augusta) e Facundo Guerra (que cederá seu bar Z Carniceria como camarim para bandas). “Não faremos apologia a nenhuma candidatura”, diz Youssef. Mas o dia não será apartidário. “Não queremos excluir ninguém.”
Raimundo Bonfim calcula que a Frente Brasil Popular, que coordena, agregará 20 mil pessoas ao evento. Diz que “teve um mal entendido, já superado, no início da convocação do ato”, quando circulou a informação que partidos e sindicatos não eram bem-vindos.
Para Guerra, pode acontecer de o ato ser apropriado “por partido z, y, ou z”. Mas ele avalia que “é uma idiotice, é antidemocrático” evitar um pleito direto por medo de alguém que você não gosta ganhar.
Mesmo dentro da esquerda não há consenso. “Há grupos que não veem uma candidatura de Lula como impossibilidade, mas que não têm segurança de qual seria seu programa. E há quem avalie que a militância do PT instrumentaliza as manifestações contra Temer e as reformas, transformando-as em atos pró-Lula”, diz o professor da UNB (Universidade de Brasília) Luis Felipe Miguel.
Para ele, a pacificação do país não está no horizonte, e “se Lula se tornou o pivô da intolerância, quem deu o passo mais radical neste sentido foram os setores conservadores”.
“Lula atrai mais as paixões. Quem o admira, o endeusa. Quem não, o detesta”, diz o cientista político Roberto Romano, para quem o que mais falta hoje à direita e à esquerda é “a administração racional das paixões”.
“Parece que, para muitos, evitar a volta do Lula fala mais alto que a ojeriza ao Temer”, diz o professor da USP (Universidade São Paulo) e colunista da Folha Pablo Ortellado. Para ele, isso explica porque “a mobilização por diretas não disparou, a despeito do Brasil inteiro querer a saída do Temer e votar pra presidente, como mostram todas as pesquisas”. Segundo Datafolha de abril,85% defendem votação popular caso o presidente caia.
Para Ortellado, “o show em Copacabana [pró-Diretas] foi meio esvaziado, se você pensar no tamanho das estrelas envolvidas. Fosse comercial, seguramente atrairia mais gente”.
Vem dos artistas o primeiro exemplo de entendimento. Em 2016, eles racharam no time anti-Dilma que vestiu a camisa do #MoroBloco (Marcelo Serrado, Marcio Garcia) e o que chamou sua debacle de “golpe” (Caetano, Wagner Moura).
Na quarta (31), os dois grupos confraternizaram na casa da empresária Paula Lavigne. Mesmo sem concordar com tudo (alguns não queriam diretas), conseguiram se entender em torno do “Temer, jamais”.